por Marcos Hiller
Resumo: o objetivo do presente artigo é imprimir uma
reflexão teórica sobre novas práticas de apropriação social de aplicativos
digitais em dispositivos móveis de compartilhamento de fotos, como o Instagram. A intenção aqui é trazer para
a discussão acadêmica uma análise de como indivíduos constroem peculiares
estratégias de produção de conteúdo e que chamamos aqui de “reality show fitness”, protagonizado
pela blogueira Gabriela Pugliesi, criadora do blog Tips 4 Life e que vem conquistado uma destacado reconhecimento por
meio da criação de um perfil no Instragram
que incita usuárias comuns à práticas diárias de atividade física e à
conquista de uma tão almejada qualidade de vida. Por meio de uma pesquisa de
caráter empírico e ancorado em pensadores contemporâneos do campo da
comunicação, principalmente nomes como Lúcia Santaella, Paula Sibilia e Gilles
Lipovetsky, propõem-se aqui um diálogo reflexivo sobre como essas novas
web-celebridades se apropriam dessas mídias na produção de novos hábitos de
consumo da cena digital.
Uma mirada cibercultural para a contemporaneidade
Como um palco das mais diversas manifestações midiáticas contemporâneas,
o ciberespaço tem se apresentado como um ambiente tecnológico que abarca
múltiplas facetas de uso e significados culturais. Em meio a uma potente repercussão
de conteúdos e de holofotes apontados às supostas celebridades que surgem a
cada dia nesses espaços comunicacionais, o ciberespaço é um ambiente aberto
para o nascimento de novos atores, localizados muitas vezes ao acaso e lançados
a uma fama imediata. Nesse sentido, no meio ambiente contemporâneo que
residimos, regido pelo diapasão da cibercultura, o tom das comunicações entre
consumidores está em visível mutação, pois a tecnologia parece carregar consigo
um apelo mais sedutor (CASTELLS, 2000) e para entender os fenômenos da
cibercultura em uma imensidão de possibilidades que cidadãos dispõem hoje,
temos que defini-la como um processo de socioespacialização profusa de
movimentações nacionais e internacionais de contestação baseadas em tecnologias
digitais (FELINTO, 2010). A “cibercultura” se torna sinônimo de cultura
contemporânea ou pós-moderna, e entendê-la nos permite estabelecer uma
compreensão do termo que envolve tanto discursos sociais e narrativas
ficcionais quanto realidades tecnológicas e práticas comportamentais e de
consumo.
Enquanto alguns usuários do ecossistema comunicacional online são “early addopters”, outros são excluídos digitalmente, o que nos leva
a crer que apropriação de mídias está intimamente ligada a questões de classe
social, idade, gênero, especialmente nos jovens e onde se evidencia um aumento
significativo de fenômenos como o “user-generated
content” (COULDRY, 2012), ou seja, o conteúdo cada vez mais gerado pelo próprio usuário,
especialmente por conta do advento de tecnologias móveis que lhe concede a
possibilidade de estar “always on”
(TURKLE, 2011). Fenômenos como esses nos comprovam que essa mobilidade virtual
não apenas se potencializou e se diversificou com o advento da internet e mídias
móveis, como também adquiriram novos significados e fez surgir novas habilidades
humanas para fazer uma entidade abstrata fluir eletronicamente (SANTAELLA,
2010).
Dentro da cena digital, o aplicativo Instagram
é quem merece nosso foco de reflexão nesse artigo. Trata-se de um aplicativo
móvel que pode ser definido como uma rede social digital de compartilhamento de
imagens, e que desde junho de 2013 inseriu a possibilidade de também se
publicar vídeos. Nos primeiro dias de sua recente história, o Instagram era apenas quatro
funcionários, incluindo seus dois co-fundadores. Mais uma start-up nascida no estado da Califórnia (Estados Unidos), foi
adquirida por Mark Zuckerberg (fundador do Facebook,
a rede social digital que mais congrega pessoas hoje no mundo). Por trás dessa
aquisição do Instagram percebe-se uma aparente intenção do Facebook em se
tornar ainda mais possante nos dispositivos. Considerado um dos grandes
destaques da arena online
contemporânea, o Instagram é um aplicativo gratuito que permite aos usuários
tirar uma foto, aplicar um filtro para ela, e depois compartilhá-la em uma
variedade de redes sociais, incluindo o próprio Instagram. Projetado pelo brasileiro Mike Krieger e Kevin Systrom,
o Instagram inicialmente foi
idealizado para uso em dispositivos móveis. A peculiar intuitividade e o
conceito do aplicativo é destacadamente simples, pois permite aos seus usuários
compartilharem imagens, bem como aplicarem nelas uma grande variedade de
filtros e efeitos disponíveis. A arquitetura de informações, símbolos e ícones
do aplicado na tela de uma smartphone
é cirurgicamente construída para que até novos usuários já aprendam a
utilizá-lo em poucos minutos. Esses usuários podem compartilhar as fotos
tratadas por meio do próprio aplicativo em redes sociais digitais como Twitter, Facebook, Foursquare e Tumblr. Assim como também se pode
visualizar fotos de outros usuários que estejam devidamente conectados à sua
rede. O Instagram provoca um certo magnetismo
em seus 30 milhões de usuários que fazem uploads
de mais de 5 milhões de fotos ao dia.
O conceito do aplicativo faz com quem pessoas se comuniquem por meio de
imagens. O Instagram é
fundamentalmente uma rede social concebida em torno da fotografia, e
disponibilizado apenas para uso em celulares (para iPhones da Apple, e agora
já disponível também para o Android,
o sistema operacional da Google),
onde as pessoas adicionam efeitos as suas fotos produzidas com a câmera do
celular e compartilham com os amigos. Mais que isso, vemos que “as ferramentas
informáticas tornam possíveis uma comunicação em tempo real, criando um
sentimento de simultaneidade e de imediatismo que transcende as barreiras de
tempo e espaço” como enxerga com muita lucidez o pensador francês Gilles
Lipovetsky (2010, p.16) em sua recente obra “A Cultura-Mundo”. Nota-se como
essa nova dinâmica midiática acelera as mudanças ocasionadas pela mobilidade
virtual e uma enorme influência das tecnologias móveis na vida cotidiana,
quando o celular fez emergir uma síntese inédita do tempo mecânico com o tempo
orgânico (SANTAELLA, 2012). O Instagram,
uma criação concebida puramente para o universo mobile, nos evidencia que a mobilidade virtual não apenas se
potencializou e se diversificou, com também adquiriu novos significados a
partir do momento em que se vê a habilidade humana para fazer uma entidade
abstrata, a informação, fluir eletronicamente (SANTAELLA, 2012).
Nesse aspecto, as interações humanas em ambientes de interface digital
que congregam milhões de usuários têm sido objeto de pesquisa no campo da
comunicação, notadamente em grupos e laboratórios criados especialmente para
esse fim nas principais universidades do país.
Nesse sentido, podemos compreender os fenômenos da cibercultura como “um
processo de socioespacialização profusa de movimentações nacionais e
internacionais de contestação baseadas em tecnologias digitais” (TRIVINHO,
2010, p.25), porém nem só de contestação vive a cultura digital. Entender essas
interações mediadas pelas redes digitais nos permite estabelecer “uma compreensão
do termo que envolve tanto discursos sociais e narrativas ficcionais, quanto
realidades tecnológicas e práticas comportamentais e de consumo” (FELINTO,
2010, p.43).
Considerações sobre o método
À luz de pensadores como Erick Felinto, Eva Illouz, Gilles Lipovetsky,
Lúcia Santaella, Maria Eduarda Mota Rocha, Miriam Goldenberg e Paula Sibilia,
dentre outros autores, propõe-se aqui um diálogo reflexivo sobre novas práticas
de consumo propiciados pela apropriação social das redes digitais, articuladas
às mídias móveis. A parte empírica desta investigação irá se centrar em certas
performances identitárias que se fundamentam na retórica radical do fitness como qualidade de vida e seu
comparecimento nas redes digitais, sendo o Instagram
o lócus selecionado para a pesquisa.
Como um fenômeno relativamente recente, a estratégias de produção
midiática dentro do aplicativo móveis de fotografias digitais, como o Instagram, não são estudadas ainda com
tanta profusão pelo campo da comunicação. Diante disso, foi necessário ampliar
a metodologia partindo-se para uma pesquisa do tipo empírica. A intenção da
investigação foi refletir sobre a produção e o consumo de imagens nesse espaço comunicacional
digital, como ênfase na performance de Gabriela Pugliesi, criadora do blog Tips 4 Life.
Por meio da observação não participante, foram monitorados durante todo
o mês de março de 2013 os posts
exibidos no perfil selecionado. O material empírico foi composto tanto dos
elementos textuais quanto imagéticos. Vale ressaltar aqui que o cruzamento dos
aportes teóricos e a análise do material empírico foram fundamentais para
propiciar um melhor entendimento do consumo tecnosimbólico que caracteriza esse
nosso objeto de pesquisa.
No dia 11 de abril de 2013, a usuária contava com 115 mil seguidoras
(aqui usa-se o termo “seguidoras” pois na sua maioria são usuárias do sexo
feminino) e foram publicadas mais de 2,7 mil fotos publicadas até esse período.
No dia 13 de julho, Gabriela conta com mais de 255 mil seguidoras, mais que o
dobro do que foi observado três meses atrás.
A lógica do fitness
e a retórica da qualidade de vida no Instagram
Considerada pelo portal Ego (Globo.com) como “um fenômeno do Instagram”,
Gabriela Pugliesi, uma moça de 27 anos e que abandonou um emprego formal em joalheria
para se dedicar exclusivamente aos posts
em uma rede social digital. As dicas da baiana, que mora hoje em São Paulo, vão
desde receitas light de alimentos,
tirinhas com anedotas, fotografias de situações cotidianas, e em sua maioria,
todas na Academia Reebok, uma das melhores e mais bem equipadas da cidade,
localiza no terraço do Shopping Cidade Jardim, o epicentro do consumo de luxo
no país. O aparente sucesso do seu blog não só magnetizou uma legião de
seguidoras e algumas capas de revista (hoje Gabriela Pugliesi assina uma coluna
mensal na prestigiada Revista Women’s
Health da Editora Abril), mas também uma miríade de marcas de roupas,
alimentos funcionais e suplementos que se aproximaram da blogueira com a
intenção de que ela fosse patrocinada, e com isso endossasse determinados
produtos.
Interessa aqui examinar o perfil de Gabriela Pugliesi que exibe um
discurso norteado pelo formato midiático aqui chamado de “reality show fitness”. Entendemos como “reality show” esse fenômeno de uma cidadã comum adquirir status de
celebridade de forma abrupta e meteórica por meio de um processo de alta
visibilidade de suas práticas cotidianas, principalmente àquelas associadas ao
universo fitness, ou seja, àquele
destinado ao condicionamento físico do corpo. A blogueira está angariando uma
legião de seguidoras por conta de uma estratégia de fotos e textos baseada no
oferecimento de um profícuo cardápio que visa a aumentar a qualidade de vida. O
próprio texto que descreve o perfil de Pugliesi já sintetiza o inquietante mote
desse objeto de pesquisa. Os dizeres são os seguintes: “Gabriela Pugliesi -
healthy lifestyle - estilo de vida saudável e feliz! Nosso corpo é nosso
templo! Se ame! #geracaopugliesi #tips4life”. Em seu texto inicial do
aplicativo, Gabriela já associa claramente a questão de felicidade com o
condicionamento físico, além de uma exacerbação do corpo humano.
Pretende-se focalizar nesse estudo as estratégias midiáticas nas quais
se ancoram a performances identitárias de Gabriela. Vale frisar aqui que outras
dezenas de personagens, com um propósito similar ao de Gabriela proliferam no Instagram. No entanto, a protagonista
dessa pesquisa foi uma das pioneiras, tem um estilo único e é a usuária que
detém no Brasil a quantidade mais elevada de seguidoras. Na era do culto ao
corpo e da espetacularização da imagem de si como estratégia de visibilidade, pretende-se
aqui estimular uma reflexão sobre as performances identitárias de personagens
como essa. Com uma retórica fortemente fundamentada no ideal máximo do fitness, Pugliesi tem sido bem sucedida
em chamar a atenção por meio de seu perfil no aplicativo de fotos. No momento em
que esse artigo foi elaborado, o blog em questão possui mais de 50 mil
seguidoras. Nas legendas das (quase sempre) narcísicas fotos publicadas no Instagram evidencia-se uma retórica
norteada por um feroz julgamento que aponta indiretamente para aquelas usuárias
que sucumbem no esforço de se enquadrar nas coordenadas da extremada boa forma
física. O sucesso desse tipo de iniciativa pode ser compreendido dentro do
contexto cultural brasileiro, onde o corpo humano se apresenta como um
verdadeiro capital físico, simbólico, econômico e social (GOLDENBERG, 2007).
Nesse sentido, mesmo tendo à sua disposição um diversificado arsenal de insumos
fornecidos, aparentemente de forma gratuita, por marcas de roupas e alimentos
funcionais, Pugliesi prima por apresentar técnicas, poses que lembram
movimentos contorcionistas e dicas sobre fitness
radical. Seus posts exibem uma
retórica que visa persuadir sobre o que se poderia considerar como desvairadas
certezas, estimulando nas suas seguidoras um intenso regime de auto-vigilância
que nos inquieta e instiga a esta reflexão (SIBILIA, 2012).
Gabriela Pugliesi sagazmente adota uma estratégia muito clara para
alcançar um notório reconhecimento no Instagram.
A busca da boa forma, uma suposto aumento de qualidade de vida e o bom humor se
tornam o tripé discursivo que alicerçam a retórica da web-celebridade.
Evidencia-se um discurso norteado pelo formato midiático aqui chamado de reality show fitness, pois a
protagonista desse tipo de representação cibercultural era uma cidadã comum há
meses atrás, e após adotar uma estratégia apenas no aplicativo Instagram adquiriu considerável
repercussão em termos de número de seguidoras e conseguiu
status de celebridade servindo-se do mote da forma física idealizada como
indispensável para a qualidade de vida e, no limite, mesmo à elusiva
felicidade.
A partir da argumentação de Eva Illouz (2007), pode-se claramente
compreender a recente valorização desta perspectiva como sintoma de uma cultura
que elege rituais para evitar o sofrimento a qualquer custo. Dessa forma,
diversas estratégias de comportamento se tornam passíveis de monetização, instrumentalização
e promoção pessoal, entre eles a empatia, a pré-disposição e o bem-querer
implícitos às nossas relações com os amigos. Norteada por uma lógica de
otimizar, nossa sociedade passa a se perguntar como a intimidade e amizade
podem ser socialmente distribuídas e alocadas em prol de benefícios tangíveis.
Afinal, ser feliz nos torna benquistos e fomenta a ampliação de nossas redes
sociais, e consequentemente, dos recursos que podemos acessar a partir delas. A
competência emocional (ILLOUZ, 2007), que envolve a adoção do discurso terapêutico
para a resolução de problemas, fornece aos indivíduos uma ferramenta cultural
para atribuição de sentido aos momentos de dificuldade e um repertório comum
para alcançar o bem estar na esfera privada. Assim, o campo das emoções não só
se torna público, mas é requisitado como forma de otimizar a capacidade dos
indivíduos de alcançar formas de felicidade historicamente e socialmente
situadas.
Dentre às milhares de fotos já publicadas por Gabriela, aqui a seguir
destaca-se algumas. Há posts em que Gabriela
mostra uma foto dela mesma puxando com os dedos a fina pele da parte superior
de sua mão com os dizeres: “projeto barriga que nem pele de mão”. A blogueira,
de uma certa forma, incita suas seguidoras a buscarem uma forma de
emagrecimento abdominal semelhante à pele de mão. Com um usual tom de humor, evidencia-se
aqui até mesmo um certo exagero pois o nível de adiposidade de região das mãos
não se assemelha ao da região abdominal. Aqui justifica-se o uso do termo
“radical” para essas manifestações. Já em outra foto ela demoniza marcas de fast food como o McDonald’s ao dizer que
“toda vez que vocês comem batata-frita pensem que elas estão rindo da sua cara
pensando: vamos furar essa bunda”. Nota-se aqui uma retórica norteada por um
feroz julgamento que aponta indiretamente para aquelas usuárias que
sucumbem no esforço de se enquadrar nas coordenadas da extremada boa forma
física (SIBILIA, 2012).
Nota-se que em boa parte dos textos produzidos por Gabriela, o “discurso
neoliberal se espraia pela comunicação interpessoal e as relações passam a ser
geridas por meio da lógica do custo-benefício (ILLOUZ, 2011). Para Eva Illouz
(2011), vivemos na época do capitalismo afetivo, no qual os cálculos de
custo-benefício norteados pelos discursos clássicos de marketing e branding
passam a vigorar também no âmbito pessoal. E nesse regime de visibilidade
hipertrofiada, a boa forma física assume importância chave como capital
simbólico pessoal. Mais que isso, evidencia-se “a reluzente moral da boa forma
em plena ação: aquela que não se envergonha nem se preocupa por ocultar a
sensualidade mais escancarada, mas exige de todos os corpos que exibam
contornos planos e relevos bem sarados, como os da pele plástica da boneca
Barbie.” (SIBILIA, 2012).
Por diversas vezes, Pugliesi apresenta sugestões de marcas de alimentos
saudáveis que supostamente patrocinam a blogueira. A vinculação dos bens
culturais e midiáticos às identidades nos sites de redes sociais é muito comum.
Esse processo endossa o entendimento das práticas de consumo na
contemporaneidade como práticas de construção identitárias cotidianas, que se
dão tanto no âmbito material quanto simbolicamente. Nesse sentido, vale trazer
as relevantes contribuições da pesquisadora Maria Eduardo Mota Rocha quando diz
que o “consumo moderno define-se pela proeminência de atributos simbólicos dos
produtos em detrimento de suas qualidades estritamente funcionais e pela
manipulação desses atributos na composição de estilos de vida” (ROCHA, 2010, p.37). Outro apontamento do
sociólogo Gilles Lipovertsky se faz necessário aqui ao dizer que estamos
inseridos em um “universo do hiperconsumo que traz uma multidão de benefícios,
bem estar material, melhor saúde, informação e comunicação, ele contribui para
tornar possível uma maior autonomia dos indivíduos em sua ações cotidianas
(2012, p.58). O pensador francês também nos oferece outro pensamento de forma
muito pertinente ao especular que na sociedade do hiperconsumo, as atividades
mais elementares da vida cotidiana tornam-se problemas e causadoras de
interrogações perpétuas, como a alimentação, pois “a hora é da desorganização
das condutas
alimentares, da cacofonia das referências e critérios... trata-se não mais
tanto de comer quanto de saber o que comer, de tanto presos que estamos entre
os estímulos gulosos e modo de se alimentar mal, de consumir muito açúcar,
muita gordura, corantes, de tornar-se obeso em uma sociedade que apresenta como
modelo a magreza.” (LIPOVETSKY, 2000, p.59).
No manancial de fotos e texto que Gabriela publica na timeline de seu Instagram, evidencia-se nas entrelinhas um discurso norteado pelo
suposto prolongamento da duração da vida, onde ela colhe os frutos da eficácia
tecnológica da medicina e de sua condição sócio-econômica aparentemente bem
sucedida. Pugliesi surge para milhares de seguidoras em um cenário da
existência luxuriante de um mundo que promete e
felicidade de satisfações incontestáveis e sempre renovadas. Mais que isso, o
discurso da blogueira encaixa-se hermeticamente em “um mundo tão depressivo,
cheio de ansiedades, gerador de inquietações de toda natureza, e pela primeira
vez menos otimista quanto à qualidade de vida por vir” (LIPOVETSKY, 2010, p.
23). As formas desse neoindividualismo centrado na primazia de si são
incontestáveis. Paralelamente à autonomia subjetiva, ao hedonismo,
desenvolve-se uma nova relação com o corpo: obsessão com a saúde, culto do esporte,
boa forma, magreza, cuidados com a beleza, cirurgia estética, manifestações de
uma cultura tendencialmente narcísica.
Paralelo a essas constatações, deve-se atentar aqui que ao criar um
perfil em um site de rede social digital, sobretudo em sites que privilegiam
elementos imagéticos, como o Instagram, as pessoas “passam a responder a atuar
como se esse perfil fosse uma extensão sua, uma presença daquilo que constitui
sua identidade. Esses perfis passam a ser como estandartes que representam as
pessoas que os mantêm” (SANTAELLA, 2013, p.43). Gabriela utiliza hashtags ironicamente construídas como
por exemplo: #projetoxotodinho,
#nadadebundinhamequetrefe,
#projetobarrigaquenempeledemão #projetobundalisa #aquiébundadura
#sermagraéfacil #projetobatatafritaemextinção #diganãoabundacascadelaranja. Esses novos
vocabulários criados no ciberespaço se difundem entre pessoas que os acompanham
e conseguem entendê-los e reproduzi-los, em detrimento dos indivíduos que estão
fora da rede.
Considerações finais
A partir de trabalho empírico, o objetivo aqui foi entender aspectos da
comunicação nos sites de redes sociais digitais e discutir como se dão novas
lógicas de construção de discursos nesses espaços. Pretendeu-se neste artigo
refletir sobre a produção e o consumo de imagens em nosso ecossistema
comunicacional digital, como ênfase na performance de certos atores sociais em
redes de compartilhamento de imagens, como o Instagram. A busca do indivíduo de
destacar-se no ciberespaço como uma prerrogativa de auto-afirmação diante dos
outros é uma apropriação, na web, de características culturais já atrelada ao capitalismo
afetivo e a uma sociedade hipermoderna cada vez mais urgente. Nota-se relações
sociais cada vez mais complexas, baseadas em uma competição por ser mais notado,
mais seguido e principalmente de conquistar uma tão almejada visibilidade e
reputação.
Em rede, cada usuário desenvolve
uma maneira de uso e de apropriação das redes que lhe é próprio. Cada um decide
o que ver, consumir ou com quem quer conviver. Hábitos e usos funcionam como
pistas das silhuetas subjetivas de cada usuário (SANTAELLA, 2013). Nesse
sentido, no caso do “reality show” aqui investigado, Gabriela Pugliesi não é
mais uma pessoa comum, está se tornando celebridade (as pessoas se magnetizam a
ela e se inspiram nela) e com o uso do Instagram,
e com isso percebe-se novas formas de se apresentar na cena midiática e
construir potências simbólicas de corpos. Assim como uma prática de fitness hiperbólica, pois extrapola o
simples ato do condicionamento físico. Nesse sentido, forma física idealizada
significa “qualidade de vida” e insinua a conquista de felicidade. Tanto no
discurso imagético quanto textual de Gabriela percebe-se um misto de entretenimento
e auto-ajuda, e até mesmo uma espécie de efeito de narciso às avessas: o
discurso de Pugliesi é interminável e incansável, e produz em suas seguidoras
uma não necessariamente verdadeira percepção de sempre se achar feio o que se
vê refletido no espelho. Nunca está bom. As redes sociais digitais, sobretudo o
Instagram, encorajaram as pessoas a mostrarem identidades discursivas. E com
isso desenvolve-se uma compreensão mais rica de seus papéis nesse ecossistema
digital difuso, inquieto e complexo.
Por enquanto, não há como prever se esse tipo de comportamento atingirá
um grau de saturação, pois são inúmeras as possibilidade de estudo a esse
respeito no ecossistema cibercultural e praticamente boa parte deles evidenciando
o impacto da hibridação entre dispositivos e pessoas à experiência cotidiana.
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Parabens, achei uma crítica bem fundamentada e racional.
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