por @KarlanMuniz*
Este mês de
dezembro é meu último mês em Boston. Estou aqui para fazer pesquisas na área de
comportamento do consumidor e branding, e para aprimorar minha pesquisa de
doutorado. Trabalho no departamento de marketing do Boston College. Meu amigo
Marcos Hiller me pediu para contar como está sendo esse período. O Hiller disse
para “fazer uma lauda”. Eu precisaria de alguns meses e ele disse uma lauda.
Vou fazer o que é possível para resumir, rs...
Por onde eu
começo? Pela lógica, começo pela razão da viagem: os estudos. O Boston
College tem uma área de Business de muito respeito: o nono melhor MBA dos
Estados Unidos está aqui, segundo o ranking do Financial Times. Muitos executivos de alto nível de companhias
como Google, Gillete e Dunkin Donuts se formaram aqui. A universidade tem
prêmios mundiais em diversas áreas de pesquisa, e eu fiquei próximo dos
pesquisadores da área de comportamento do consumidor. O sistema educacional
americano encanta o observador, como reflexo de uma organização cultural e
histórica impecável e muito competitiva. Com o patrocínio correto ou com base
em bolsas de estudo, o aluno (de graduação, MBA ou PhD) consegue um foco nos
estudos que raramente – ou nunca – consegui visualizar no Brasil. Além de
executivos de alto nível, aqueles que decidiram pela carreira de pesquisa –
alguns professores aqui são bem jovens - apresentam alto desempenho na
publicação de pesquisas na área de marketing, contribuindo com o que há de mais
atual no conhecimento dessa área. Quando o período aqui for concluído, serão
mais de 180 dias no escritório, aprofundando estudos em comunicação de marcas e
relacionamento consumidor-marca, e usando os recursos e facilidades que a
faculdade disponibiliza ao pesquisador visitante: a biblioteca é espetacular,
tanto que já ultrapassei os 50 livros emprestados ao mesmo tempo (você sabe que
está estudando muito quando as atendentes da biblioteca lhe chamam pelo nome e
perguntam se você pretende montar uma filial da biblioteca no seu escritório);
as bases digitais são muito ricas em conteúdo; e a possibilidade de participar
de eventos regularmente, ou de conversar informalmente com os pesquisadores
daqui, são uma verdadeira benção.
Os estudos ainda me possibilitaram a oportunidade de
trafegar por outras instituições fantásticas da cidade: assistir palestras no
MIT, participar de seminários no curso de PhD da Boston University e participar
de aulas de marketing no MBA da Harvard Business School. Essas experiências deixam
você bastante impactado, por vezes chocado, mas sempre inspirado, a aprender e
ensinar mais e mais.
Mas não precisa ser dentro de Harvard a melhor experiência
em Boston. Fora das fronteiras da universidade, o dia a dia em uma grande
cidade americana tem suas facilidades e descobertas: a gastronomia da cidade,
ainda baseada principalmente em frutos do mar e em especial na lagosta, é
fantástica. E cada confeitaria italiana ou pub no centro da cidade, ou clube de
Jazz na região de Cambridge, pode ser uma surpresa. No dia a dia tudo funciona
muito corretamente, e quando não funciona a correção é muito rápida e
eficiente. Em novembro, por exemplo, o grupo Aerosmith anunciou que faria um
show gratuito numa avenida da cidade, para comemorar os 40 anos do grupo, que
começou aqui. O show parou a cidade, que teve que reorganizar o transporte
público durante todo aquele dia. Apesar do evento ter atraído mais de 50 mil
pessoas, quem não pôde ir mas morava perto, como eu, não foi impactado. De
forma geral, a segurança também é notável, e você anda sem a preocupação de
olhar para os lados, ou sem aquele receio de portar algo de valor, sentimento
que poderia se esperar em uma grande cidade brasileira.
Historicamente, a cidade de Boston e mais amplamente a
região da Nova Inglaterra representam o berço da revolução que deu início à
independência americana. Você visita os locais históricos e devagarzinho
compreende melhor as características que hoje definem cultural e politicamente
os Estados Unidos da América. Democrata até debaixo d’água, o estado de
Massachusetts é considerado um dos mais liberais da federação, sendo o primeiro
a permitir a união entre homossexuais no passado, e, no referendo deste ano,
acabou liberando o uso da maconha para fins medicinais. Em ano de eleições,
acompanhar o pleito e tudo o que envolve essa guerra, que gira 6 bilhões de
dólares na economia americana durante apenas 9 meses, foi um aprendizado à
parte.
Os Estados Unidos está se transformando – queira o americano
médio ou não – em um país multilíngüe, e Boston já tem essa característica, com
uma porcentagem enorme de alunos e cidadãos de vários países. Meu colega no
escritório é aluno de PhD na China, e o colega que mora no quarto ao lado na
casa de família americana que estou morando é da Arábia Saudita. E
culturalmente, apesar da mistura, ainda se aprende sobre o povo típico daqui.
Pelo que pude experimentar, e sem querer generalizar, a conversa com um
americano pode ser um processo por vezes diferente daquele a gente está
acostumado no Brasil. As conversas tendem a ser mais objetivas no início, sem
tantos rodeios ou “subtemas”, e depois que a confiança é criada é os assuntos
periféricos e pessoais vêm à tona (no Brasil temos uma tendência para mesclar
assuntos importantes e amenidades e estórias pessoais ao desenvolver a
confiança com alguém). Os americanos compartilham sentimentos muito fortes
coletivamente. Em algumas datas, como o dia da independência ou o dia de ação
de graças, o clima e sentimento nas ruas são diferentes daquilo que vivemos no
Brasil.
Depois do
ambiente de estudos, foram os esportes que tomaram conta da nossa atenção e
torcida. Boston tem times fortes em quase todos os esportes, e a cidade pulsa
com o sucesso do New England Patriots (Football), Boston Celtics (Basketball),
Boston Bruins (Hockey) e Boston Red Sox (Baseball), além dos times de
faculdades – o Boston College tem um estádio para 45 mil pessoas do lado do
prédio onde estou trabalhando nesse momento, e tem o melhor time de Hockey da
NCAA. O esporte aqui é mais do que paixão, é um negócio muito bem estruturado e
que dá certo. Um exemplo: mesmo jogando na parte de baixo da tabela a maior
parte do tempo e com todos os jogos televisionados para a cidade – coisa que no
Brasil não acontece – os 38 mil lugares do estádio do Red Sox estavam tomados
durante os 80 jogos que o time fez em casa este ano. Não tem como não se
apaixonar. Clubes administrados como empresas, e que por isso vêem o torcedor
como consumidor que merece ser cultivado em troca de receita duradoura.
Mas onde está a crise econômica americana então? Essa que a
gente escuta falar tanto? Bem, ela só fica evidente se você conversar com
alguém sobre hábitos de cinco anos atrás e de hoje, e fizer uma comparação.
Sim, uma boa parcela dos estrangeiros que trabalhavam em funções mais simples
por aqui retornaram para seus países. E com certeza uma parcela dos estudantes
hoje encontram mais dificuldade para encontrar emprego do que no passado. E é
evidente também que em alguns setores empresas americanas perdem terreno na
competição com outros países. Mas, na minha visão, nada parecido com as
dificuldades que já enfrentamos no passado e no momento no Brasil, com falta de
emprego ou limitações de renda e inflação. Tanto que experimentei o Black
Friday - como todo americano passei a madrugada nas compras em busca de
barganhas especiais – e o que vi foi muita gente consumindo muito.
Terminei e não contei quase nada, como imaginava. Ressaltei
as facilidades e pontos fortes desse contexto que estou vivendo nos Estados
Unidos. Mas faltou dizer que o período no território americano também lhe
ensina a sentir saudades da nossa terra. Embora imperfeita em algumas coisas,
você passa a apreciar mais seus amigos e suas raízes. Você fica mais brasileiro
fora do Brasil, como aquele peixe que só enxerga nitidamente o aquário onde
estava quando vai para outro aquário ao lado. A jornada muda a pessoa
silenciosamente. E muda em várias direções. Vou levar o que aprendi para o
Brasil, pra devolver tudo nesse rico processo de aprender e ensinar.
Parabéns pelo relato desta rica experiencia em Boston. Muito bem feito. Desejo-lhe sucesso em seus projetos e um excelente 2013.
ResponderExcluir