por @MarcosHiller
Só no
Brasil fogão tem tampa. No sul do Brasil, uma parcela da população come pizza
com maionese. No Rio de Janeiro se tem o hábito de colocar catchup na pizza. Peça
catchup numa pizzaria tradicional da cidade de São Paulo para você ver a olhada
de repressão que o garçom te dará. Em algumas regiões do Nordeste se têm o
costume de comer catchup no meio do feijão com arroz. Só no Brasil, alguns
carros modelo SUV, como a EcoSport por exemplo, possuem aquele pneu do step
afixado na traseira do veículo à mostra para os demais motoristas da rua verem
e, geralmente, envolvidos com capas estilizadas ou até personalizadas. Só no
Brasil máquina de lavar tem a abertura na parte superior e, geralmente com
tampa de vidro, para a dona de casa brasileira poder ver a roupa revirando pra
lá e pra cá e limpando e lavando. Há quem diga que uma parcela de pessoas que
usam dentadura no estado de Sergipe tem o costume de colocar aparelho dentário
na dentadura, justamente para que o fato de possuir aparelho tente negar a
existência de uma prótese dentária. No Brasil a cor do luto é o preto e no
Japão a cor do luto é o branco (vi isso outro dia numa cena de funeral em um
dos filmes do Bruce Lee).
Todos esses
fatos, por mais esquisitos e, até mesmo pitorescos que possam parecer, se dão fortemente
por conta de um elemento chamado: cultura. Estudar marketing, comunicação, branding
e práticas do consumo em geral, nos requer cada vez mais na contemporaneidade
que compreendamos a cultura do consumidor. E o que é a cultura? Nada mais é do
que esse acervo de conhecimentos que modela e modula boa parte das relações entre
as pessoas. Cultura é aquele elemento central formado por uma mistura de questões
sociais, econômicas, políticas de um determinado grupo. E na cultura onde
encontramos as respostas mais profundas para desafios e dilemas do processo de
marketing hoje em dia. Ferramentas mercadológicas, teoremas de Paretto, cinco
forças de Porter, teorias de estratégia competitiva, os exaustivos quatro “pês”
de marketing, entre outros modelos são fundamentais para entender os processos
de marketing e consumo em dia? Acho que sim. Mas quer compreender um pouco mais
a fundo as verdadeiras motivações, desejos e comportamentos das pessoas? Vá estudar
a cultura. Tire o snorkell e coloque o tubo de oxigênio. E nada melhor do que
se ancorar em outras áreas do conhecimento.
Vamos com
outro exemplo! Recentemente um amigo que trabalha na área de pesquisa de
mercado da Kibon/Unilever me disse que fizeram algumas seções de pesquisa, por
meio da técnica de grupo focal (ou focus group, como habitualmente se fala no
mercado), com grupos de crianças para se detectar novas cores de picolé que a
Kibon deveria lançar no Brasil. E após as discussões com a criançada, quais
foram as cores preferidas? Rosa? Laranja? Vermelho? Verde? Amarelo? Azul? Quem
respondeu alguma dessas, errou. A cor favorita da molecada foi o preto. Sim, um
picolé de cor preta. Absolutamente imprevisível e inusitado. E se lançarmos um
picolé preto seria um tremendo sucesso? Eu não apostaria nisso. E justamente
por isso que esse negócio chamado pesquisa é tão fascinante. Mas por que o
preto? Confesso que não sei a razão exata. Precisaria se aprofundar um pouco
mais para encontrar respostas críveis. Mas acredito que a razão do porquê o
preto foi a cor vencedora não esteja no marketing, mas sim na antropologia, na
sociologia, na psicologia, na semiótica. No chamado Neuromarketing talvez? Eu
acho que também não. Aliás, não quero soar como uma percepção leviana, mas eu
acho que misturar Marketing com Medicina é forçar um pouco a barra. Pra mim,
mergulhar nas ciências sociais e ler autores como Nestor Garcia Canclini, Jesus
Martín Barbero, Gilles Lipovetsky, Gisela Castro, Rose de Melo Rocha e Maria
Aparecida Baccega tem me dado respostas bastante lúcidas para todos esses dilemas
e complexidades das relações entre pessoas e marcas. Aliás, estudar mais a
fundo do porquê o preto foi a cor favorita das crianças na pesquisa, talvez nos
traga evidências porque a meninas piram hoje em dia nessas bonecas vestidas de
vampiras e monstros. Isso particularmente me inquieta.
Muito de
minha visão nesse despretensioso texto é fruto de um curso de mestrado que estou
para concluir hoje na ESPM/SP na área de comunicação e práticas do consumo.
Estudamos o consumo não como consumismo, não como uma mera relação de troca
entre bens e valores monetários. Discutimos o consumo não à luz de teorias clássicas
de comportamento do consumidor, como a de Abraham Maslow e tantos outros. Pensamos
o consumo como uma apropriação social, sinérgica e simbólica. Consumir hoje em
dia é estar na sociedade. Consumir é se inscrever em algo. Consumimos o tempo
todo, desde um maço de cigarros que compramos na esquina, até mesmo uma lata de
Coca-Cola que seguramos na mão ou até mesmo uma telenovela que assistimos.
Consumimos sempre. Negar o consumo é negar que vivemos em sociedade.
Ah, por que
diabos só no Brasil fogão tem tampa? Oras, por conta de uma questão cultural.
Mais que isso: para a dona de casa brasileira, e só para a brasileira, por mais
que a cozinha não esteja com aquele brilho impecável, o ato sígnico de se abaixar
uma tampa de fogão significa: “Pronto! Missão cumprida! Posso curtir minha
novela e meu maridão”.
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