por @MarcosHiller
Como um
palco das mais diversas manifestações midiáticas contemporâneas, o mundo
digital tem se apresentado como um ambiente tecnológico que abarca múltiplas
facetas de uso e significados culturais. E em meio a uma potente repercussão de
conteúdos e de holofotes apontados às supostas celebridades que surgem a cada
dia nesses espaços comunicacionais, a Internet é, sobretudo, um ambiente aberto
para o nascimento de novos atores e novas plataformas, especialmente por conta
do advento de tecnologias móveis que nos concede a possibilidade de estar
“always on”. Fenômenos como esses nos comprovam que essa mobilidade virtual não
apenas se potencializou e se diversificou com o advento da internet e mídias
móveis, como também adquiriram novos significados e fez surgir novas
habilidades humanas para fazer uma entidade abstrata fluir eletronicamente.
Na cena
digital vigente, o aplicativo Tinder ganha uma relevância que nos inquieta aqui
nessa reflexão. O conceito do aplicativo faz com quem pessoas se comuniquem e
se conheçam por meio de imagens. O Tinder é fundamentalmente uma rede social digital
móvel concebida em torno da fotografia e da geolocalização. Os usuários
publicam até 5 fotos de si mesmo no seu respectivo perfil e, a partir daí, elas
ficam disponíveis para demais usuários do aplicativo. Você brifa por meio de
características demográficas qual o seu desejo: conhecer homens ou mulheres? De
qual idade? E em que raio de distância? Feito isso, surgem na tela do nosso smartphone
uma espécie de “cardápio” com fotos de outros usuários. É possível visualizar
as fotos da pessoa, a distância que ela está de você, além dos amigos e
interesses em comum que ele busca no nosso Facebook (com a nossa autorização
prévia, logicamente). Feito isso, vai aparecendo em sua tela uma imensidão de
rostos em que você vai clicando em LIKE ou DON’T LIKE. Caso você curta
determinada pessoa, e ela também curta você, pronto! O Tinder dá a opção de que
se abra um chat entre os dois usuários. E a partir daí tudo pode acontecer. Mais
que isso, vemos que essas ferramentas tornam possíveis uma comunicação em tempo
real, criando um sentimento de simultaneidade e de imediatismo que transcende
as barreiras de tempo e espaço.
Nota-se
como essa nova dinâmica midiática acelera as mudanças ocasionadas pela
mobilidade virtual e uma enorme influência das tecnologias móveis na vida
cotidiana. O Tinder, uma criação concebida puramente para o universo mobile,
nos evidencia que a mobilidade virtual não apenas se potencializou e se
diversificou, com também adquiriu novos significados a partir do momento em que
se vê a habilidade humana para fazer uma entidade abstrata, a informação, fluir
eletronicamente. Nas entrelinhas das (quase sempre) narcísicas e insinuantes
fotos publicadas no Tinder, evidencia-se uma retórica norteada por um sentimento
de “estou à disposição” ou até mesmo uma suposta busca de um “amor a lá carte”.
O sucesso desse tipo de iniciativa pode ser compreendido dentro do contexto
cultural brasileiro, onde o corpo humano se apresenta como um verdadeiro
capital físico, simbólico, econômico e social. A partir da argumentação de autora
israelense Eva Illouz, que escreveu em 2007 o livro “Amor em Tempos de
Capitalismo”, pode-se claramente compreender a recente valorização desta
perspectiva como sintoma de uma cultura que elege rituais para evitar a solidão
a qualquer custo. Dessa forma, diversas estratégias de comportamento se tornam
passíveis de monetização, instrumentalização e promoção pessoal, entre eles a
empatia, a pré-disposição e o bem-querer implícitos às nossas amizades e
namoros.
Norteada
por uma lógica de otimizar, nossa sociedade passa a se perguntar como a
intimidade, a amizade e o amor podem ser socialmente distribuídas e alocadas em
prol de benefícios fundamentalmente tangíveis. Afinal, estarmos com alguém pode
nos benquistos e fomenta a ampliação de nossas redes sociais, e
consequentemente, dos recursos que podemos acessar a partir delas. Mais que
isso, o Tinder nos evidencia que a comunicação interpessoal e as relações
passam a ser geridas por meio da lógica do custo-benefício. Afinal, vivemos na
época do capitalismo afetivo, no qual os cálculos de custo-benefício norteados
pelos discursos clássicos de marketing e branding passam a vigorar também no
âmbito pessoal. E nesse regime de visibilidade hipertrofiada, a boa forma
física assume importância chave como capital simbólico pessoal. A vinculação
dos bens culturais e midiáticos às identidades no Tinder é muito comum. Em boa
parte das fotos, nota-se fotos dos usuários em em cenas de viagens para o
exterior, ou estampando marcas de moda. Esse processo endossa o entendimento
das práticas de consumo na contemporaneidade como práticas de construção
identitárias cotidianas, que se dão tanto no âmbito material quanto
simbolicamente. Nesse sentido, vale lembrar que o consumo moderno define-se
pela proeminência de atributos simbólicos dos produtos em detrimento de suas
qualidades estritamente funcionais e pela manipulação desses atributos na
composição de estilos de vida. O Tinder nos mostra que estamos inseridos em um
universo do hiperconsumo que traz uma multidão de benefícios, bem estar
material, melhor saúde, informação e comunicação, e isso contribui para tornar
possível uma maior autonomia dos indivíduos em suas ações cotidianas. Afinal, as
atividades mais elementares da vida cotidiana tornam-se problemas e causadoras
de interrogações perpétuas, como os romances e nossos relacionamentos. Paralelo
a essas constatações, deve-se atentar aqui que ao criar um perfil em um site de
rede social digital, sobretudo em sites que privilegiam elementos imagéticos,
como o Tinder, as pessoas passam a responder a atuar como se esse perfil fosse
uma extensão sua, uma presença daquilo que constitui sua identidade. Esses
perfis passam a ser como estandartes que representam as pessoas que os mantêm.
A busca do
indivíduo de destacar-se no ciberespaço como uma prerrogativa de auto-afirmação
diante dos outros é uma apropriação, na web, de características culturais já
atrelada ao capitalismo afetivo e a uma sociedade hipermoderna cada vez mais
urgente. Nota-se relações sociais cada vez mais complexas, baseadas em uma
competição por ser mais notado, mais seguido e principalmente de conquistar uma
tão almejada visibilidade, reputação ou até mesmo uma alma-gêmea (ou um
“match”, como sugere o Tinder). Em rede, cada usuário desenvolve uma maneira de
uso e de apropriação das redes que lhe é próprio. Cada um decide o que ver,
consumir ou com quem quer conviver. Hábitos e usos funcionam como pistas das
silhuetas subjetivas de cada usuário. Nesse sentido, percebe-se novas formas de
se apresentar na cena midiática e construir potências simbólicas de corpos. As
redes sociais digitais, sobretudo o Tinder, encorajaram as pessoas a mostrarem identidades
discursivas. E com isso desenvolve-se uma compreensão mais rica de seus papéis
nesse ecossistema digital difuso, perturbador, inquieto e complexo. Baixe o aplicativo e boa
sorte!
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