quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Um olhar reflexivo sobre estratégias de marcas na cena digital

por Marcos Hiller

Resumo
O objetivo do presente artigo é fazer uma reflexão sobre como marcas de diversos segmentos constroem estratégias de conteúdo no site de rede social digital Facebook. Por mais que se tente medir como estratégias de marcas repercutem em espaços digitais, é sempre na apropriação do social onde reside o efeito de determinada ação de uma empresa, e sempre com um viés cultural norteador. Por meio de uma pesquisa de caráter empírico e ancorado em pensadores contemporâneos do campo da comunicação digital, principalmente em nomes como Henry Jenkins, Elizabeth Saad e Manuel Castells, propõem-se aqui um diálogo reflexivo sobre como marcas se utilizam das chamadas mídias sociais na produção de novos hábitos de consumo da cena digital.

  



Introdução

Compreender as interações que surgem por meio da comunicação mediada pelas tecnologias digitais tem sido questão central do campo da comunicação para a reflexão da sociedade contemporânea, na medida em que se evidenciam transformações de ordem social, cultural, política e econômica.
Uma corrente de pensadores da comunicação contemporânea enxerga que após a revolução da escrita no oriente médio no século V, a revolução da imprensa de Johannes Gutemberg no século XV e a revolução industrial no século retrasado, vive-se hoje “uma quarta revolução, ainda em curso, implementada pelas tecnologias digitais e ocasionando importantes transformações no interior dos distintos aspectos do convívio humano” (DE FELICE, 2008, p.22). Outros pensadores também fazem questão de utilizar o termo “revolução” para classificar essa era que vivemos, ao dizer que “o milênio terminou marcado por uma Revolução Tecnológica Informacional que está reconfigurando o conjunto das sociedades humanas em todos os seus aspectos, implodindo barreiras de Tempo e Espaço, colocando a Informação como elemento central de articulação das atividades humanas” (LEMOS, 2001, p.5). Até mesmo, “verdadeiros abalos sísmicos têm sido provocados em todos os campos sociais – economia, política, cultura e arte – desde que a implementação do processo digital, naquilo que ficou conhecido como Internet, alcançou o terminal do usuário” (SANTAELLA, 2013, p.33).
Neste artigo, optou-se pela não-adoção do termo revolução, ou seja, será utilizado aqui um olhar menos radical dessas transformações digitais que evidenciamos, pois os “argumentos carregam um tom radicalmente revolucionário, fazendo crer quer tudo aquilo que antes era passa a ser de forma diferente, antagonizando e contradizendo o que passou” (PRIMO 2013, p.13). Pode-se afirmar que temos hoje mais formas de comunicação do que em qualquer outro momento da história. No entanto, muito mais do que simplesmente entender cada um de novos ambientes de produção midiática, devemos refletir como transformações sócio-culturais interferem na forma que a linguagem publicitária se expressa e sobre a comunicação da marca, esse ativo intangível que representa e identifica organizações. E em meio a uma imensidão de possibilidades de compra de produtos e adesão a serviços, aliada ao acesso à informação e a melhoria tecnológica, as marcas procuram dialogar com um cidadão contemporâneo que se encontra cada vez mais crítico e exigente nas suas escolhas.
Vive-se hoje em um mundo cada vez mais interligado e regido por intercâmbios de ordem mercantil (CANCLINI, 2007) e no meio ambiente global, regido pelo diapasão da cibercultura, o tom das comunicações entre empresas e consumidores está em visível mutação. A tecnologia parece carregar consigo um apelo mais sedutor (CASTELLS, 2000) e para entender os fenômenos da cibercultura em meio à imensidão de possibilidades que cidadãos dispõem hoje, temos que defini-la como um processo de socioespacialização profusa de movimentações nacionais e internacionais de contestação baseadas em tecnologias digitais (FELINTO, 2010). A “cibercultura”, se torna sinônimo de cultura contemporânea e entendê-la como uma formação cultural nos permite estabelecer uma compreensão mais pertinente do termo que, envolve tanto discursos sociais e narrativas ficcionais, quanto realidades tecnológicas e práticas comportamentais e de consumo.
Nesse sentido, nota-se como panorama atual a forma pela qual é possível a existência de uma cultura da virtualidade real, um sistema em que a própria realidade é inteiramente captada, totalmente imersa em uma composição de imagens virtuais do mundo da imaginação (CASTELLS, 1999). Na mesma pessoa combinam-se o que se ouve num disco, livros escaneados, publicidade da televisão, iPods, enciclopédias digitais que mudam todo dia, uma variedade de imagens, textos e saberes que formigam na palma de uma mão, com a qual se liga o celular (CANCLINI, 2008). Fenômenos como esses apenas tangibilizam em atípicas manifestações ciberculturais e reorganizam sociedades no âmbito cultural, social e político, e nos deixa muito evidente como essas transformações tecnológicas e como a explosão de redes sem fio potencializam a dinâmica da web, onde posso postar tudo, texto, vídeo (CASTELLS, 2009).
Ao abordar a complexificação do ambiente comunicacional contemporâneo, Manuel Castells (2009) especula que a proliferação das redes sociais digitais inaugura um novo modelo de comunicação que combina de modo paradoxal características da comunicação interpessoal com a distribuição em circuitos potencialmente capazes atingir escalas massivas. As interações mediadas pela comunicação interpessoal de massa podem aqui ser entendidas como modalidade contemporânea de participação social. O tema tem merecido peculiar atenção no campo da comunicação e no mercado, sendo que alguns profissionais costumam denominar como ‘mídias sociais’ os sites e serviços de rede social como Facebook, Twitter etc.


Considerações sobre o método

À luz de pensadores como Henry Jenkins, Clay Shirky, Manuel Castells, Elizabeth Saad e Gisela Castro, dentre outros autores, propõe-se aqui um diálogo reflexivo sobre novas práticas que marcas adotam em novos espaços comunicacionais, como elas tentam construir jogos comunicacionais e narrativas envolventes, e como são provocadas reverberações pela apropriação social.
Como um fenômeno relativamente recente, a estratégias de produção midiática de marcas dentro de redes informacionais não são estudadas ainda com tanta profusão pelo campo da comunicação. Diante disso, foi necessário ampliar a metodologia partindo-se para uma pesquisa do tipo empírica. Por meio da observação não participante, foram selecionadas emblemáticas ações de comunicação de três anunciantes distintos durante os anos de 2010 e 2012. Vale ressaltar aqui que o cruzamento dos aportes teóricos e a análise do material empírico foram fundamentais para propiciar um melhor entendimento das estratégias marcárias que caracterizam esse nosso objeto de pesquisa.
A seguir algumas considerações teóricas a respeito do fenômeno sob investigação.


Estratégias midiáticas de marcas na arena online

Vivemos em um mundo onde as histórias começam e não terminam (CANCLINI, 2008). Você está dirigindo o carro enquanto ouve um áudio-livro e é interrompido por uma ligação no celular. Ou você está em casa, sentado numa poltrona, com o romance que acabou de comprar, enquanto na televisão ligada à espera do noticiário passam um anúncio sobre as novas funções do iPod. Você se levanta e vai até o computador para ver se compreende essas novidades que não estão mais nas enciclopédias de papel e, de repente, percebe quantas vezes, mesmo para procurar dados sobre outros séculos, recorre a esses novos patrimônios da humanidade que se chamam Google e Yahoo (KLEIN, 2002).
E ao analisar esses fenômenos de novas práticas culturais no contemporâneo, pode-se entender que a conectividade e o consumo hoje representam as vias preferenciais de emancipação de nossas juventudes em relação aos modos vigentes de organização social. A publicidade proporciona representações, visões de mundo, recortes do cotidiano que lançam nossa experiência humana no universo das marcas, dos produtos e instituições com fins comerciais. No atual cenário, o desafio para a comunicação nestas organizações é especialmente maior ao se levar em conta as incertezas que representa a interatividade nas redes sociais digitais. Destaca-se o caráter fundamentalmente difuso e volátil dos ambientes permeados pelas interfaces digitais (CASTRO, 2013) e, no âmbito dessas diversas transformações sócio-culturais que evidenciamos nas últimas décadas, vemos a disseminação dos mais variados códigos identitários de marcas e que englobam padrões de linguagem, modos de vestir e de se comunicar entre pessoas, maneiras de se comportar, relativos a diferentes tipos de subjetividade e modos de ser. Estilos de vida manifestam-se por meio de práticas, hábitos e signos que a cultura midiática das marcas veicula e fomenta, haja visto a criação de celebridades e ícones de consumo (CASTRO, 2012).
O poder do produtor de mídia e do consumidor interage de maneiras imprevisíveis para os que apostam numa história linear de superação das velhas mídias pelas novas (JENKINS, 2008).  E em meio à disputa que as marcas protagonizam entre as inúmeras mercadorias existentes, as empresas precisam transformar seus logotipos em pontos de referência conhecidos na cultura contemporânea (KELLNER, 2006) e o próprio conceito de marca também se refere à diferenciação quando discute sobre a lógica da marca, ou seja, a razão de ser das marcas, ou por qual motivo elas existem (KAPFERER, 2003). Dentro dessa perspectiva, muito mais importante do que as marcas simplesmente estarem presentes em redes telemáticas, é preciso saber estar presente na rede, assim como também interagir a tempo e de forma adequada na arena digital (CASTRO, 2012). E dentro desse complexo ecossistema que reside o site de rede social digital Facebook como um potente protagonista e plataforma tecnológica que abarca esses discursos. O site idealizado por Mark Zuckerberg tem sido um dos mais proeminentes espaços onde marcas buscam construir jogos discursivos envolventes para se conquistar os chamados fãs.
Nesse ecossistema inquieto e volátil, acompanhar de perto a presença na mídia de uma dada empresa ou marca é uma tarefa extremamente complexa dentro das estratégias empresariais de comunicação devido à capilaridade e abrangência das redes sociais digitais. É fundamental saber monitorar nestas redes qualquer mensagem que mencione a marca e sobre a qual se deva agir prontamente. Logicamente, nem todo conteúdo é colaboração, elogio ou endosso nas mensagens sobre marcas, serviços e produtos que circulam nas redes sociais. É de extrema importância saber responder de modo assertivo, veloz, demonstrando atenção e respeito ao consumidor usuário de internet.
A ambição de envolver o consumidor como parceiro e fã de determinada marca, produto ou serviço está presente com maior ou menor grau de transparência na comunicação empresarial atual, tornando indispensável evidenciar a participação das corporações nas redes sociais (CASTRO, 2013). Para as corporações, as redes sociais digitais se apresentam como ambientes propícios para gerar repercussão a partir de certas experiências – positivas ou negativas – ligadas às marcas, produtos ou serviços. Vale lembrar que, hoje, os brasileiros são o segundo maior público de usuários do Facebook e que nesse contexto o ‘curtir’ funciona como endosso, que pode ser ainda mais eficaz se for seguido do ‘compartilhar’. No entanto, segundo Jenkins (2013), algumas empresas continuam a ignorar as potencialidades deste ambiente participativo, fazendo uso de recursos legais para restringir, e não estimular, a comunicação que emerge das comunidades, ou ainda, evitando escutar o público com quem se relaciona. Jenkins propõe, especialmente para os comunicadores corporativos e suas ações de branding, que foquem muito mais na qualidade de sua presença na rede e na coerência de seu discurso do que nas ações que eventualmente estimulariam a audiência na viralização das mensagens de uma marca. Seu mais recente livro “Spreadable media” nos indica que a cultura da participação deve ser reconsiderada e reposicionada, integrando o conceito de reelaboração de mensagens e conteúdos e, dessa forma, entende a cultura de participação como algo relativo diante das constantes mutações socioculturais (SAAD, 2013).


A presença das marcas em redes sociais digitais

A criação do site de relacionamento Facebook em um simples dormitório de Harvard no início dos anos 2000 nos abre questões pertinentes. Foi criado ali potente mídia que hoje atinge mais de 1 bilhão de usuários. Ou seja, quando marcas criam uma fanpage, as empresas investem em design, desenvolvem um planejamento de conteúdo, e com isso, esperar criam mais um touch point de conexão com os seus mais diversos públicos. Nesse sentido, o Facebook se transforma em uma mídia a serviço de agências de publicidade e de anunciantes. E quando se cria a uma mídia, ainda mais no ecossistema digital que habitamos, é preciso que se pense na forma de como angariar enormes volumes dinheiro com aquilo. No final do ano de 2012, o Facebook arquitetou uma manobra e que gerou críticas por todo o mundo. De uma forma súbita, apenas uma pequena fração de usuários passou a enxergar os posts que uma determinada marca publicava em sua fanpage. Para que determinados posts ganhassem um maior alcance, seria necessário que se investisse volumes de dinheiro. Para Shirky (2011), a tecnologia nunca é a novidade, pois a novidade é como as pessoas se apropriam socialmente daquilo. Nesse caso, a apropriação social se deu de uma forma previsível: o Facebook congrega hoje mais de 1 milhão de clientes que injetam verbas de comunicação de marketing para que suas respectivas marcas se apropriem desse espaço comunicacional com o objetivo de se tentar construir histórias relevantes e, dessa forma, seduzir e atrair consumidores.
No entanto, uma ferramenta pode ser usada pelo usuário por um jeito que seus criadores jamais imaginaram. E ao analisarmos o comportamento online de marcas nessas plataformas, percebemos que algumas delas tentam se humanizar, se personificar, justamente para ir atrás do tão almejado fã. Curiosamente, enquanto mais e mais indivíduos abraçam o ideário do empreendedor de si próprios mais e mais empresas investem no intangível das marcas. Pode-se afirmar, como o faz Naomi Klein (2010) de modo contundente e um tanto exagerado, que criar uma identidade de marca bem estruturada é hoje mais importante do que preocupar-se com a solidez da empresa por trás dessa marca. Nas regras das ultracompetitivas disputas corporativas, tem mais valor aquela marca que atrair maior fatia de público (CASTRO, 2013).
A seguir, serão descritos alguns exemplos de estratégias que marcas conhecidas do grande público e que apropriaram da rede social digital Facebook para criar visibilidade:

- As embalagens da Coca-Cola Zero foram customizadas com 150 nomes mais comuns de pessoas. Quem não estivesse entre os 150 nomes, poderia participar de uma votação na fanpage da marca, que escolheu os próximos 50 nomes a serem estampados na embalagem de Coca-Cola Zero. Nessa votação, os consumidores tentavam emplacar seu nome com a ajuda de seus amigos. Ainda nas redes sociais, um aplicativo permitiu que o consumidor pudesse personalizar a sua lata de Coca-Cola Zero com palavras que representem o “quanto mais melhor” nas suas vidas, em uma experiência virtual interativa, e logicamente com possibilidade de ser compartilhada pela rede. A forma como as pessoas se apropriaram dessa ação da Coca-Cola Zero foram as mais distintas: desde o comportamento clássico de pessoas publicarem no Facebook a foto da lata com seu próprio nome estampado, até pessoas que ocultavam determinada letra de nomes para resignificá-lo para outros nomes, ou até mesmo pessoas que compraram todas as latas para se ostentar em prateleiras de residências;

- Um filme publicitário da marca Água Azul sobre um empreendimento imobiliário na Paraíba, foi apresentado pelo próprio dono e onde ele destacava que fez questão de reunir a família toda para apresentar o lançamento do novo prédio, “menos a Luíza, que está no Canadá”. A despretensiosa frase dita no anúncio foi apropriada socialmente de forma inesperada e potente. A frase passou a ser disseminada e virou trend topics no site de microblog Twitter durante semanas. O retorno da garota (filha do dono da empresa) do Canadá para o Brasil foi comemorado em clima de euforia. O vídeo do anúncio publicitário virou o maior viral do mês de janeiro de 2012 com 6.227.879 milhões de views no mesmo mês e a construtora vendeu três apartamentos em menos de seis dias;

- Em uma de suas mais recentes ações publicitárias, a marca de carros japonesa Nissan, lançou uma campanha de propaganda que continha desenhos animados infantis, intitulada “Pôneis Malditos”. Foram utilizados elementos de irreverência e a utilização da Internet como mídia principal nas estratégias de viralização e, com isso, gerar repercussão da mensagem central da campanha, que era divulgar a alta potência do veículo Nissan Frontier (o carro possui um motor com força de 172 cavalos). O comercial consistiu numa analogia, na qual, ao invés de cavalos o carro da concorrência possuiria a potência de pôneis. Os pôneis em questão são animais lúdicos e coloridos. Na ocasião, os pôneis cantam uma música exaustiva por vozes infantis, tendo com refrão: “Pôneis Malditos/ Pôneis Malditos/ lálálálálá...”.  Toda estratégia da campanha dos Pôneis Malditos estava ancorada no chamado marketing viral que tem como ponto central encontrar elementos comuns às motivações humanas e isso provocar um incentivo necessário para que os consumidores compartilhem ou repassem a mensagem adiante. O fato de ser uma música repetitiva estimularia os consumidores a passá-la adiante. A versão digital continha mais uma sequência, com duração de mais de um minuto, enquanto a veiculada na TV durava os clássicos trinta segundos. Nessa sequência da web, um dos pôneis voltava no final do comercial com os olhos vermelhos, e com uma expressão diabólica, proferindo uma possível “praga” ao espectador. A mensagem recomendava que o internauta repassasse o vídeo da campanha a mais dez pessoas, caso contrário ele ficaria com a música do comercial afixada na memória. Após o envio da mensagem, o pônei voltava ao seu estado natural, novamente lúdico e infantilizado, e terminava cantando a música novamente. Por meio dessa campanha, a Nissan nos evidenciou alguns fenômenos nos dispositivos comunicacionais que a publicidade se ampara na contemporaneidade, assim como a utilização da rede mundial de computadores como a mídia central da campanha. Em recente entrevista no site do Jornal do Carro com Murilo Moreno, Diretor de Marketing da Nissan no Brasil, sobre o efeito pós-campanha (link: http://bit.ly/r8qd0l) foi dito que: na primeira fase da campanha a Nissan tinha 7% de lembrança de marca pelo consumidor e eles mostravam as marcas de carros rivais; antes da campanha dos Pôneis, as pessoas confundiam a marca Nissan com a marca de macarrão Nissin; e eles saíram 0,8% em 2010 para 2% de market share no ano seguinte. Disse também que o filme dos pôneis termina com a expressão “Te quiero” e que “foi uma das sugestões que a agência deu e achamos legal. O curioso foi que o consumidor associou não apenas à Hilux, mas também à Ranger e à Amarok, que são argentinas.”
Nos exemplos citados acima, podemos evidenciar que, independente do que se espera em determinada ação de marketing que envolva uma rede social digital, é sempre no social onde as verdadeiras interações e repercussões da ação se darão. Como foi visto, Manuel Castells (2009) propõe que a nova modalidade de comunicação característica das redes sociais digitais torna ainda mais no inquieto ecossistema comunicacional contemporâneo. Esse novo modelo de comunicação assemelha-se à comunicação de massa em termos do seu potencial alcance, porém mantém certo controle na mão do emissor individual o qual decide, ele próprio, quando, como e para quem irá direcionar sua mensagem. Por sua vez, o receptor pode também nesse caso controlar com quais mensagens irá interagir, de que modo e quando.
Pensando na comunicação organizacional, as redes sociais digitais apresentam importantes desafios. Conforme nos pondera Castells (2009, p. 66) qualquer mensagem postada na internet, a despeito da intenção de quem a produziu, é passível de ser apropriada e reprocessada de formas totalmente inesperadas. O sociólogo se serve da metáfora da mensagem na garrafa que boia no oceano para enfatizar a indeterminação e a imprevisibilidade da recepção desse tipo de comunicação no contexto global potencialmente alcançado pelas redes sociais digitais (CASTELLS, 2009). Mais que isso, definitivamente entramos em uma nova cultura do espetáculo que constitui uma nova configuração da economia, sociedade, política e vida cotidiana, que envolve novas formas de cultura e de relações sociais e novos modelos de experiência.


Considerações Finais

A intenção aqui foi a de demonstrar a relevância dos estudos da comunicação para a compreensão das dinâmicas ciberculturais em circulação e como isso norteia nossos esforços para contribuir neste importante debate sobre consumo de marcas e tecnologia na contemporaneidade.
Estamos vivendo a emergência de uma nova forma de consumo, aquela definida pela apropriação simbólica de bens tecnológicos e regidos pelas complexas fronteiras fluidas da cibercultura. Enfrentar e entender adequadamente essa hesitante dinâmica do consumo nos exigirá concepções epistemológicas renovadas e uma forma de produzir conhecimento menos avessa à incerteza e ao imaginário. O advento da Internet possibilitou à sociedade contemporânea ultrapassar barreiras geográficas e constituir novas configurações comunicacionais. Surgem novos espaços cada vez mais potentes, ordenados pela cibercultura e que questionam os paradigmas da comunicação publicitária, no sentido de dar voz ao receptor, e com isso propagar suas ideias, interagir com seu emissor e escolher a que conteúdo ter acesso. Na análise das campanhas publicitárias como a dos “Pôneis Malditos”, “Luiza no Canadá” e “Nome na Lata Coca-Cola Zero” demonstramos que o receptor de conteúdo pode ser agora um forte aliado do mercado da comunicação, já que pode divulgá-la de forma espontânea. São estratégias cada vez mais utilizadas por empresas na comunicação e construção de suas marcas. No entanto, quando observamos a repercussão gerada por esses casos, evidenciamos que não apenas o consumidor é quem protagoniza a imprevisibilidade de certas ações, mas também sempre modelada e modulada por razões culturais que se dá a apropriação social de uma determinada ação.
Tratando-se aqui de uma pesquisa fundamentalmente bibliográfica, naturalmente algumas questões ficam em aberto. Nesta direção, o aprofundamento da análise de material empírico tanto uma pesquisa exploratória, se fazem necessárias para imergir de forma ainda mais profunda no impacto desse debate.



Referências

CASTRO, Gisela. “Cliente é para o fracos, as marcas agora querem fãs”. IN: Revista Organicom. 2013 (em prelo) São Paulo, 2013.
_______________. Entretenimento, sociabilidade e consumo nas redes sociais: ativando o consumidor-fã. In: CASAQUI, V. e ROCHA, R. M. Comunicação, estética e materialidades do consumo. São Paulo, 2012.
CASTELLS, Manuel. Communication Power. Oxford e N. York: Oxford University Press, 2009.
_________________. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
FELICE, Massimo. “Das tecnologias da democraria para as tecnologias da colaboração” IN: Do público para as redes: a comunicação digital e as novas formas de participação social. FELICE, Massimo) Fusão Editora, São Caetano do sul, SP  2008 (coleção era digital, volume 1)
FELINTO, Erick. “Think different: estilos de vida digitais e a cibercultura como expressão cultural”. In: TRIVINHO, Eugênio e REIS, Ângela P. (Orgs.). A cibercultura em transformação: poder, liberdade e sociabilidade em tempos de compartilhamento, nomadismo e mutação direitos. São Paulo: ABCiber; Itaú Cultural, 2010, p. 39 a 47.
JENKINS, Henry. Spreadable Media: creating value and meaning in a networked culture. New York: NewYork University Press, 2013.
_______________. A Cultura da Convergência. São Paulo Aleph, 2009.
KAPFERER, J. Strategic brand management. New York: Free Press, 1993
KELLNER, Douglas. Cultura da mídia e triunfo do espetáculo. In: MORAES, Denis de (Org.). Sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad X, 2006.
KLEIN, Naomi.  No Logo.  Economia global e nuova contestazione. Milano: Baldini&Castoldi, 2000
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1999
PRIMO, Alex. Interações mediadas e remediadas: controvérsias entre as utopias da cibercutlura e a grande indústria midiática”. In: Interações em Rede. Porto Alegre: Ed. Sulina, 2013.
SAAD, Elizabeth Côrrea. Uma reconfiguração cultural possível e viável. IN: Revista Matrizes ECA/USP: São Paulo, 2013
SANTAELLA, Lúcia. “Intersubjetividades nas redes digitais: repercussões na educação”. IN: Interações em Rede. Porto Alegre: Sulina, 2013.
__________________. “Ciberespaço: entre o tudo e o nada”. IN:  A ecologia pluralista da comunicação: conectividade, mobilidade, ubiquidade. São Paulo: Paulus, 2010.
_________________.“Lugar, espaço e mobilidade”. IN: A ecologia pluralista da comunicação: conectividade, mobilidade, ubiquidade. SP: Paulus, 2010.
SFEZ, Lucien. A comunicação. Sao Paulo: Martins Fontes, 2007
SHIRKY, Clay. A cultura da participação: criatividade e generosidade num mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.




Um olhar reflexivo sobre o “reality show fitness”de Gabriela Pugliesi no aplicativo móvel digital Instagram



 por Marcos Hiller

Resumo: o objetivo do presente artigo é imprimir uma reflexão teórica sobre novas práticas de apropriação social de aplicativos digitais em dispositivos móveis de compartilhamento de fotos, como o Instagram. A intenção aqui é trazer para a discussão acadêmica uma análise de como indivíduos constroem peculiares estratégias de produção de conteúdo e que chamamos aqui de “reality show fitness”, protagonizado pela blogueira Gabriela Pugliesi, criadora do blog Tips 4 Life e que vem conquistado uma destacado reconhecimento por meio da criação de um perfil no Instragram que incita usuárias comuns à práticas diárias de atividade física e à conquista de uma tão almejada qualidade de vida. Por meio de uma pesquisa de caráter empírico e ancorado em pensadores contemporâneos do campo da comunicação, principalmente nomes como Lúcia Santaella, Paula Sibilia e Gilles Lipovetsky, propõem-se aqui um diálogo reflexivo sobre como essas novas web-celebridades se apropriam dessas mídias na produção de novos hábitos de consumo da cena digital.



Uma mirada cibercultural para a contemporaneidade

Como um palco das mais diversas manifestações midiáticas contemporâneas, o ciberespaço tem se apresentado como um ambiente tecnológico que abarca múltiplas facetas de uso e significados culturais. Em meio a uma potente repercussão de conteúdos e de holofotes apontados às supostas celebridades que surgem a cada dia nesses espaços comunicacionais, o ciberespaço é um ambiente aberto para o nascimento de novos atores, localizados muitas vezes ao acaso e lançados a uma fama imediata. Nesse sentido, no meio ambiente contemporâneo que residimos, regido pelo diapasão da cibercultura, o tom das comunicações entre consumidores está em visível mutação, pois a tecnologia parece carregar consigo um apelo mais sedutor (CASTELLS, 2000) e para entender os fenômenos da cibercultura em uma imensidão de possibilidades que cidadãos dispõem hoje, temos que defini-la como um processo de socioespacialização profusa de movimentações nacionais e internacionais de contestação baseadas em tecnologias digitais (FELINTO, 2010). A “cibercultura” se torna sinônimo de cultura contemporânea ou pós-moderna, e entendê-la nos permite estabelecer uma compreensão do termo que envolve tanto discursos sociais e narrativas ficcionais quanto realidades tecnológicas e práticas comportamentais e de consumo.
Enquanto alguns usuários do ecossistema comunicacional online são “early addopters”, outros são excluídos digitalmente, o que nos leva a crer que apropriação de mídias está intimamente ligada a questões de classe social, idade, gênero, especialmente nos jovens e onde se evidencia um aumento significativo de fenômenos como o “user-generated content” (COULDRY, 2012), ou seja, o conteúdo cada vez mais gerado pelo próprio usuário, especialmente por conta do advento de tecnologias móveis que lhe concede a possibilidade de estar “always on” (TURKLE, 2011). Fenômenos como esses nos comprovam que essa mobilidade virtual não apenas se potencializou e se diversificou com o advento da internet e mídias móveis, como também adquiriram novos significados e fez surgir novas habilidades humanas para fazer uma entidade abstrata fluir eletronicamente (SANTAELLA, 2010).
Dentro da cena digital, o aplicativo Instagram é quem merece nosso foco de reflexão nesse artigo. Trata-se de um aplicativo móvel que pode ser definido como uma rede social digital de compartilhamento de imagens, e que desde junho de 2013 inseriu a possibilidade de também se publicar vídeos. Nos primeiro dias de sua recente história, o Instagram era apenas quatro funcionários, incluindo seus dois co-fundadores. Mais uma start-up nascida no estado da Califórnia (Estados Unidos), foi adquirida por Mark Zuckerberg (fundador do Facebook, a rede social digital que mais congrega pessoas hoje no mundo). Por trás dessa aquisição do Instagram percebe-se uma aparente intenção do Facebook em se tornar ainda mais possante nos dispositivos. Considerado um dos grandes destaques da arena online contemporânea, o Instagram é um aplicativo gratuito que permite aos usuários tirar uma foto, aplicar um filtro para ela, e depois compartilhá-la em uma variedade de redes sociais, incluindo o próprio Instagram. Projetado pelo brasileiro Mike Krieger e Kevin Systrom, o Instagram inicialmente foi idealizado para uso em dispositivos móveis. A peculiar intuitividade e o conceito do aplicativo é destacadamente simples, pois permite aos seus usuários compartilharem imagens, bem como aplicarem nelas uma grande variedade de filtros e efeitos disponíveis. A arquitetura de informações, símbolos e ícones do aplicado na tela de uma smartphone é cirurgicamente construída para que até novos usuários já aprendam a utilizá-lo em poucos minutos. Esses usuários podem compartilhar as fotos tratadas por meio do próprio aplicativo em redes sociais digitais como Twitter, Facebook, Foursquare e Tumblr. Assim como também se pode visualizar fotos de outros usuários que estejam devidamente conectados à sua rede. O Instagram provoca um certo magnetismo em seus 30 milhões de usuários que fazem uploads de mais de 5 milhões de fotos ao dia. 
O conceito do aplicativo faz com quem pessoas se comuniquem por meio de imagens. O Instagram é fundamentalmente uma rede social concebida em torno da fotografia, e disponibilizado apenas para uso em celulares (para iPhones da Apple, e agora já disponível também para o Android, o sistema operacional da Google), onde as pessoas adicionam efeitos as suas fotos produzidas com a câmera do celular e compartilham com os amigos. Mais que isso, vemos que “as ferramentas informáticas tornam possíveis uma comunicação em tempo real, criando um sentimento de simultaneidade e de imediatismo que transcende as barreiras de tempo e espaço” como enxerga com muita lucidez o pensador francês Gilles Lipovetsky (2010, p.16) em sua recente obra “A Cultura-Mundo”. Nota-se como essa nova dinâmica midiática acelera as mudanças ocasionadas pela mobilidade virtual e uma enorme influência das tecnologias móveis na vida cotidiana, quando o celular fez emergir uma síntese inédita do tempo mecânico com o tempo orgânico (SANTAELLA, 2012). O Instagram, uma criação concebida puramente para o universo mobile, nos evidencia que a mobilidade virtual não apenas se potencializou e se diversificou, com também adquiriu novos significados a partir do momento em que se vê a habilidade humana para fazer uma entidade abstrata, a informação, fluir eletronicamente (SANTAELLA, 2012).
Nesse aspecto, as interações humanas em ambientes de interface digital que congregam milhões de usuários têm sido objeto de pesquisa no campo da comunicação, notadamente em grupos e laboratórios criados especialmente para esse fim nas principais universidades do país.  Nesse sentido, podemos compreender os fenômenos da cibercultura como “um processo de socioespacialização profusa de movimentações nacionais e internacionais de contestação baseadas em tecnologias digitais” (TRIVINHO, 2010, p.25), porém nem só de contestação vive a cultura digital. Entender essas interações mediadas pelas redes digitais nos permite estabelecer “uma compreensão do termo que envolve tanto discursos sociais e narrativas ficcionais, quanto realidades tecnológicas e práticas comportamentais e de consumo” (FELINTO, 2010, p.43).


Considerações sobre o método

À luz de pensadores como Erick Felinto, Eva Illouz, Gilles Lipovetsky, Lúcia Santaella, Maria Eduarda Mota Rocha, Miriam Goldenberg e Paula Sibilia, dentre outros autores, propõe-se aqui um diálogo reflexivo sobre novas práticas de consumo propiciados pela apropriação social das redes digitais, articuladas às mídias móveis. A parte empírica desta investigação irá se centrar em certas performances identitárias que se fundamentam na retórica radical do fitness como qualidade de vida e seu comparecimento nas redes digitais, sendo o Instagram o lócus selecionado para a pesquisa.
Como um fenômeno relativamente recente, a estratégias de produção midiática dentro do aplicativo móveis de fotografias digitais, como o Instagram, não são estudadas ainda com tanta profusão pelo campo da comunicação. Diante disso, foi necessário ampliar a metodologia partindo-se para uma pesquisa do tipo empírica. A intenção da investigação foi refletir sobre a produção e o consumo de imagens nesse espaço comunicacional digital, como ênfase na performance de Gabriela Pugliesi, criadora do blog Tips 4 Life.
Por meio da observação não participante, foram monitorados durante todo o mês de março de 2013 os posts exibidos no perfil selecionado. O material empírico foi composto tanto dos elementos textuais quanto imagéticos. Vale ressaltar aqui que o cruzamento dos aportes teóricos e a análise do material empírico foram fundamentais para propiciar um melhor entendimento do consumo tecnosimbólico que caracteriza esse nosso objeto de pesquisa.
No dia 11 de abril de 2013, a usuária contava com 115 mil seguidoras (aqui usa-se o termo “seguidoras” pois na sua maioria são usuárias do sexo feminino) e foram publicadas mais de 2,7 mil fotos publicadas até esse período. No dia 13 de julho, Gabriela conta com mais de 255 mil seguidoras, mais que o dobro do que foi observado três meses atrás.
  


A lógica do fitness e a retórica da qualidade de vida no Instagram

Considerada pelo portal Ego (Globo.com) como “um fenômeno do Instagram”, Gabriela Pugliesi, uma moça de 27 anos e que abandonou um emprego formal em joalheria para se dedicar exclusivamente aos posts em uma rede social digital. As dicas da baiana, que mora hoje em São Paulo, vão desde receitas light de alimentos, tirinhas com anedotas, fotografias de situações cotidianas, e em sua maioria, todas na Academia Reebok, uma das melhores e mais bem equipadas da cidade, localiza no terraço do Shopping Cidade Jardim, o epicentro do consumo de luxo no país. O aparente sucesso do seu blog não só magnetizou uma legião de seguidoras e algumas capas de revista (hoje Gabriela Pugliesi assina uma coluna mensal na prestigiada Revista Women’s Health da Editora Abril), mas também uma miríade de marcas de roupas, alimentos funcionais e suplementos que se aproximaram da blogueira com a intenção de que ela fosse patrocinada, e com isso endossasse determinados produtos.
Interessa aqui examinar o perfil de Gabriela Pugliesi que exibe um discurso norteado pelo formato midiático aqui chamado de “reality show fitness”. Entendemos como “reality show” esse fenômeno de uma cidadã comum adquirir status de celebridade de forma abrupta e meteórica por meio de um processo de alta visibilidade de suas práticas cotidianas, principalmente àquelas associadas ao universo fitness, ou seja, àquele destinado ao condicionamento físico do corpo. A blogueira está angariando uma legião de seguidoras por conta de uma estratégia de fotos e textos baseada no oferecimento de um profícuo cardápio que visa a aumentar a qualidade de vida. O próprio texto que descreve o perfil de Pugliesi já sintetiza o inquietante mote desse objeto de pesquisa. Os dizeres são os seguintes: “Gabriela Pugliesi - healthy lifestyle - estilo de vida saudável e feliz! Nosso corpo é nosso templo! Se ame! #geracaopugliesi #tips4life”. Em seu texto inicial do aplicativo, Gabriela já associa claramente a questão de felicidade com o condicionamento físico, além de uma exacerbação do corpo humano. 
Pretende-se focalizar nesse estudo as estratégias midiáticas nas quais se ancoram a performances identitárias de Gabriela. Vale frisar aqui que outras dezenas de personagens, com um propósito similar ao de Gabriela proliferam no Instagram. No entanto, a protagonista dessa pesquisa foi uma das pioneiras, tem um estilo único e é a usuária que detém no Brasil a quantidade mais elevada de seguidoras. Na era do culto ao corpo e da espetacularização da imagem de si como estratégia de visibilidade, pretende-se aqui estimular uma reflexão sobre as performances identitárias de personagens como essa. Com uma retórica fortemente fundamentada no ideal máximo do fitness, Pugliesi tem sido bem sucedida em chamar a atenção por meio de seu perfil no aplicativo de fotos. No momento em que esse artigo foi elaborado, o blog em questão possui mais de 50 mil seguidoras. Nas legendas das (quase sempre) narcísicas fotos publicadas no Instagram evidencia-se uma retórica norteada por um feroz julgamento que aponta indiretamente para aquelas usuárias que sucumbem no esforço de se enquadrar nas coordenadas da extremada boa forma física. O sucesso desse tipo de iniciativa pode ser compreendido dentro do contexto cultural brasileiro, onde o corpo humano se apresenta como um verdadeiro capital físico, simbólico, econômico e social (GOLDENBERG, 2007). Nesse sentido, mesmo tendo à sua disposição um diversificado arsenal de insumos fornecidos, aparentemente de forma gratuita, por marcas de roupas e alimentos funcionais, Pugliesi prima por apresentar técnicas, poses que lembram movimentos contorcionistas e dicas sobre fitness radical. Seus posts exibem uma retórica que visa persuadir sobre o que se poderia considerar como desvairadas certezas, estimulando nas suas seguidoras um intenso regime de auto-vigilância que nos inquieta e instiga a esta reflexão (SIBILIA, 2012).
Gabriela Pugliesi sagazmente adota uma estratégia muito clara para alcançar um notório reconhecimento no Instagram. A busca da boa forma, uma suposto aumento de qualidade de vida e o bom humor se tornam o tripé discursivo que alicerçam a retórica da web-celebridade. Evidencia-se um discurso norteado pelo formato midiático aqui chamado de reality show fitness, pois a protagonista desse tipo de representação cibercultural era uma cidadã comum há meses atrás, e após adotar uma estratégia apenas no aplicativo Instagram adquiriu considerável repercussão em termos de número de seguidoras e conseguiu status de celebridade servindo-se do mote da forma física idealizada como indispensável para a qualidade de vida e, no limite, mesmo à elusiva felicidade.
A partir da argumentação de Eva Illouz (2007), pode-se claramente compreender a recente valorização desta perspectiva como sintoma de uma cultura que elege rituais para evitar o sofrimento a qualquer custo. Dessa forma, diversas estratégias de comportamento se tornam passíveis de monetização, instrumentalização e promoção pessoal, entre eles a empatia, a pré-disposição e o bem-querer implícitos às nossas relações com os amigos. Norteada por uma lógica de otimizar, nossa sociedade passa a se perguntar como a intimidade e amizade podem ser socialmente distribuídas e alocadas em prol de benefícios tangíveis. Afinal, ser feliz nos torna benquistos e fomenta a ampliação de nossas redes sociais, e consequentemente, dos recursos que podemos acessar a partir delas. A competência emocional (ILLOUZ, 2007), que envolve a adoção do discurso terapêutico para a resolução de problemas, fornece aos indivíduos uma ferramenta cultural para atribuição de sentido aos momentos de dificuldade e um repertório comum para alcançar o bem estar na esfera privada. Assim, o campo das emoções não só se torna público, mas é requisitado como forma de otimizar a capacidade dos indivíduos de alcançar formas de felicidade historicamente e socialmente situadas.
Dentre às milhares de fotos já publicadas por Gabriela, aqui a seguir destaca-se algumas. Há posts em que Gabriela mostra uma foto dela mesma puxando com os dedos a fina pele da parte superior de sua mão com os dizeres: “projeto barriga que nem pele de mão”. A blogueira, de uma certa forma, incita suas seguidoras a buscarem uma forma de emagrecimento abdominal semelhante à pele de mão. Com um usual tom de humor, evidencia-se aqui até mesmo um certo exagero pois o nível de adiposidade de região das mãos não se assemelha ao da região abdominal. Aqui justifica-se o uso do termo “radical” para essas manifestações. Já em outra foto ela demoniza marcas de fast food como o McDonald’s ao dizer que “toda vez que vocês comem batata-frita pensem que elas estão rindo da sua cara pensando: vamos furar essa bunda”. Nota-se aqui uma retórica norteada por um feroz julgamento que aponta indiretamente para aquelas usuárias que sucumbem no esforço de se enquadrar nas coordenadas da extremada boa forma física (SIBILIA, 2012).
Nota-se que em boa parte dos textos produzidos por Gabriela, o “discurso neoliberal se espraia pela comunicação interpessoal e as relações passam a ser geridas por meio da lógica do custo-benefício (ILLOUZ, 2011). Para Eva Illouz (2011), vivemos na época do capitalismo afetivo, no qual os cálculos de custo-benefício norteados pelos discursos clássicos de marketing e branding passam a vigorar também no âmbito pessoal. E nesse regime de visibilidade hipertrofiada, a boa forma física assume importância chave como capital simbólico pessoal. Mais que isso, evidencia-se “a reluzente moral da boa forma em plena ação: aquela que não se envergonha nem se preocupa por ocultar a sensualidade mais escancarada, mas exige de todos os corpos que exibam contornos planos e relevos bem sarados, como os da pele plástica da boneca Barbie.” (SIBILIA, 2012).
Por diversas vezes, Pugliesi apresenta sugestões de marcas de alimentos saudáveis que supostamente patrocinam a blogueira. A vinculação dos bens culturais e midiáticos às identidades nos sites de redes sociais é muito comum. Esse processo endossa o entendimento das práticas de consumo na contemporaneidade como práticas de construção identitárias cotidianas, que se dão tanto no âmbito material quanto simbolicamente. Nesse sentido, vale trazer as relevantes contribuições da pesquisadora Maria Eduardo Mota Rocha quando diz que o “consumo moderno define-se pela proeminência de atributos simbólicos dos produtos em detrimento de suas qualidades estritamente funcionais e pela manipulação desses atributos na composição de estilos de vida”  (ROCHA, 2010, p.37). Outro apontamento do sociólogo Gilles Lipovertsky se faz necessário aqui ao dizer que estamos inseridos em um “universo do hiperconsumo que traz uma multidão de benefícios, bem estar material, melhor saúde, informação e comunicação, ele contribui para tornar possível uma maior autonomia dos indivíduos em sua ações cotidianas (2012, p.58). O pensador francês também nos oferece outro pensamento de forma muito pertinente ao especular que na sociedade do hiperconsumo, as atividades mais elementares da vida cotidiana tornam-se problemas e causadoras de interrogações perpétuas, como a alimentação, pois “a hora é da desorganização das condutas alimentares, da cacofonia das referências e critérios... trata-se não mais tanto de comer quanto de saber o que comer, de tanto presos que estamos entre os estímulos gulosos e modo de se alimentar mal, de consumir muito açúcar, muita gordura, corantes, de tornar-se obeso em uma sociedade que apresenta como modelo a magreza.” (LIPOVETSKY, 2000, p.59).
No manancial de fotos e texto que Gabriela publica na timeline de seu Instagram, evidencia-se nas entrelinhas um discurso norteado pelo suposto prolongamento da duração da vida, onde ela colhe os frutos da eficácia tecnológica da medicina e de sua condição sócio-econômica aparentemente bem sucedida. Pugliesi surge para milhares de seguidoras em um cenário da existência luxuriante de um mundo que promete e felicidade de satisfações incontestáveis e sempre renovadas. Mais que isso, o discurso da blogueira encaixa-se hermeticamente em “um mundo tão depressivo, cheio de ansiedades, gerador de inquietações de toda natureza, e pela primeira vez menos otimista quanto à qualidade de vida por vir” (LIPOVETSKY, 2010, p. 23). As formas desse neoindividualismo centrado na primazia de si são incontestáveis. Paralelamente à autonomia subjetiva, ao hedonismo, desenvolve-se uma nova relação com o corpo: obsessão com a saúde, culto do esporte, boa forma, magreza, cuidados com a beleza, cirurgia estética, manifestações de uma cultura tendencialmente narcísica.
Paralelo a essas constatações, deve-se atentar aqui que ao criar um perfil em um site de rede social digital, sobretudo em sites que privilegiam elementos imagéticos, como o Instagram, as pessoas “passam a responder a atuar como se esse perfil fosse uma extensão sua, uma presença daquilo que constitui sua identidade. Esses perfis passam a ser como estandartes que representam as pessoas que os mantêm” (SANTAELLA, 2013, p.43). Gabriela utiliza hashtags ironicamente construídas como por exemplo: #projetoxotodinho,  #nadadebundinhamequetrefe,  #projetobarrigaquenempeledemão #projetobundalisa #aquiébundadura #sermagraéfacil  #projetobatatafritaemextinção  #diganãoabundacascadelaranja. Esses novos vocabulários criados no ciberespaço se difundem entre pessoas que os acompanham e conseguem entendê-los e reproduzi-los, em detrimento dos indivíduos que estão fora da rede.


Considerações finais

A partir de trabalho empírico, o objetivo aqui foi entender aspectos da comunicação nos sites de redes sociais digitais e discutir como se dão novas lógicas de construção de discursos nesses espaços. Pretendeu-se neste artigo refletir sobre a produção e o consumo de imagens em nosso ecossistema comunicacional digital, como ênfase na performance de certos atores sociais em redes de compartilhamento de imagens, como o Instagram. A busca do indivíduo de destacar-se no ciberespaço como uma prerrogativa de auto-afirmação diante dos outros é uma apropriação, na web, de características culturais já atrelada ao capitalismo afetivo e a uma sociedade hipermoderna cada vez mais urgente. Nota-se relações sociais cada vez mais complexas, baseadas em uma competição por ser mais notado, mais seguido e principalmente de conquistar uma tão almejada visibilidade e reputação.
 Em rede, cada usuário desenvolve uma maneira de uso e de apropriação das redes que lhe é próprio. Cada um decide o que ver, consumir ou com quem quer conviver. Hábitos e usos funcionam como pistas das silhuetas subjetivas de cada usuário (SANTAELLA, 2013). Nesse sentido, no caso do “reality show” aqui investigado, Gabriela Pugliesi não é mais uma pessoa comum, está se tornando celebridade (as pessoas se magnetizam a ela e se inspiram nela) e com o uso do Instagram, e com isso percebe-se novas formas de se apresentar na cena midiática e construir potências simbólicas de corpos. Assim como uma prática de fitness hiperbólica, pois extrapola o simples ato do condicionamento físico. Nesse sentido, forma física idealizada significa “qualidade de vida” e insinua a conquista de felicidade. Tanto no discurso imagético quanto textual de Gabriela percebe-se um misto de entretenimento e auto-ajuda, e até mesmo uma espécie de efeito de narciso às avessas: o discurso de Pugliesi é interminável e incansável, e produz em suas seguidoras uma não necessariamente verdadeira percepção de sempre se achar feio o que se vê refletido no espelho. Nunca está bom. As redes sociais digitais, sobretudo o Instagram, encorajaram as pessoas a mostrarem identidades discursivas. E com isso desenvolve-se uma compreensão mais rica de seus papéis nesse ecossistema digital difuso, inquieto e complexo. 
Por enquanto, não há como prever se esse tipo de comportamento atingirá um grau de saturação, pois são inúmeras as possibilidade de estudo a esse respeito no ecossistema cibercultural e praticamente boa parte deles evidenciando o impacto da hibridação entre dispositivos e pessoas à experiência cotidiana.



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sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Quer entender o consumo? Vamos pra Paris!

Para compreender o que é o consumo hoje em dia, para entender como surgiram as marcas, os shopping centers, a moda, etc temos que recorrer à História. Mais precisamente, temos que voltar para a Paris do século de XIX. Após acontecimentos europeus como a Revolução Industrial e a Revolução Francesa, e com a explosão da Modernidade, as Exposições Universais, o Fetiche da Mercadoria e tantos outros fenômenos criaram os alicerces que justificam todo o processo de consumo que vemos hoje no nosso dia-a-dia. Quer entender qualquer manifestação do consumo na contemporaneidade e qualquer peculiaridade ou expressividade de marca? A resposta está na História, está em Paris.

Nesse mês de agosto, tive o prazer de conhecer a cidade de Paris pela primeira vez. É a cidade mais visitada do mundo. Uma cidade que dispensa comentários pela sua potência, sua imponência e seus esplendorosos locais. Logicamente, procurei imprimir um olhar sob a ótica do consumo, branding e demais temas que me interessam hoje. E todo esse meu olhar culminou nesse slideshare onde compartilho dezenas de imagens que fiz com meu iPhone. Que essas fotos possam ser usadas por professores, alunos e pesquisadores em geral. Favoritem, compartilhem, curtam, distribuam no semáforo, etc.