quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Uma Experiência Estética e de Marketing nos Museus Modernos


por @MarcosHiller



 
Resumo
Em um mundo contemporâneo em que meios tradicionais de comunicação e entretenimento carregam um inédito descrédito, o cidadão consumidor de arte exige experiências mais relavantes e mais alinhadas com seu estilo de vida e seus anseios culturais. Nesse contexto, novos museus devem assumir um papel jamais visto, não somente conquistar visitantes, mas sim criar neles um poder fidelizador e inesquecível. O presente artigo propõe uma discussão a respeito do marketing de experiência, mais precisamente acerca de museus que transitam na modernidade e de lojas como a Apple Store. Por meio de um recorte bibliográfico, além de uma pesquisa exploratória em cidades como São Paulo, Niterói e Nova Iorque, foi possível aprofundar o entendimento sobre o processo de como se tangibiliza uma promessa do marketing de experiência no segmento de museus.

“Vale a pena olhar o céu. Sentir como o ser humano é frágil, insignificante, sem perspectiva. Mas sem esquecer que a vida tem de ser vivida, e rir e chorar é o nosso destino.”                                       
(Oscar Niemeyer)


Introdução                                                                       

O cidadão contemporâneo se vê diante, hoje em dia, de uma jamais vista variedade de ofertas de entretenimento, produtos e serviços. Paralelo a isso, os meios tradicionais de comunicação carregam uma inédita descrença por parte desse consumidor (CRESCITELLI, 2003). E como pano de fundo disso, percebe-se na contemporaneidade um cidadão com um nível de exigência visivelmente atípico e com uma vasta possibilidade de formas de entretenimento e consumo de cultura em geral.
E é justamente nesse contexto em que cidadãos consumidores de entretenimento tendem a se conectar à experiências mais relevantes e que estejam alinhadas com seu estilo de vida e, mais que isso, que não o transformem em mais uma pessoa sucumbida à massa. As pessoas hoje em dia definem determinadas experiências de consumo como representantes de algo mais do que experiências aparentemente comuns de consumo.
No meio ambiente global, o tom das comunicações entre empresas e consumidores está em visível mutação. A tecnologia parece carregar consigo um apelo mais sedutor (CASTELLS, 2000). É correto falar em revolução tecnológica quando uma inovação radical é produzida alterando rapidamente o paradigma técnico anterior e criando um ciclo contínuo de novas inovações e aperfeiçoamentos de processos e de produtos (KATZ, 1995).
Sob a ótica do marketing de experiência, pode-se trazer a tona um exemplo emblemático na cidade de Nova Iorque. A loja de varejo da marca Apple, a chamada Apple Store, não concorre diretamente apenas com outros varejo do mesmo setor de tecnologia como Best Buy, Sony, etc. mas concorre também com lojas como Starbucks, Macy’s, Abercrombie & Fitch, Nike Town, Jamba Juice e até mesmo com museus como o MoMa, Guggenheim Museum ou Metropolitan Museum. Uma experiência de marca bem feita liga a marca com o estilo de vida do consumidor, fazendo com que suas atitudes componham um contexto social mais amplo. Se, por um lado, o indivíduo dispõe da possibilidade de acesso praticamente irrestrito às informações e contatos, por outro ele também tem que estar disponível e atento a tudo para poder acompanhar esse novo ritmo (PEREZ, 2010).
Com a velocidade arrebatadora das transformações tecnológicas, espera-se que o novo consumidor se alimente ainda mais de serviços customizados e com possibilidades cada vez mais fáceis e acessíveis de se diferenciar. O foco passou a ser no indivíduo e em tudo que lhe agrada e singulariza. O novo consumidor não quer apenas tudo personalizado, ele quer ser autor-ator pronto para performar (PEREZ, 2010).

 
Museus Modernos Brasileiros                                                                                          

O Museu de Arte Contemporânea de São Paulo (MAC-SP) hoje está situado dentro da Cidade Universitária, na Universidade de São Paulo (USP), e em 2012 o MAC pretende se instalar no antigo prédio do Detran-SP nas imediações do Parque do Ibirapuera. Essa mudança prevista pode ser entendida de uma forma muito mais ampla e simbólica do que realmente representará essa simples mudança de endereço, pois se trata de uma obra altamente moderna no contexto arquitetônico da cidade e tem Oscar Niemeyer como seu criador. Vale destacar que o prédio do Detran-SP foi idealizado em 1954, justamente na fase mais brilhante do arquiteto carioca, entre a construção do complexo da Pampulha em Belo Horizonte (1943) e Brasília (1957).
            O novo projeto do MAC reunirá os principais alicerces que, segundo Ronaldo Bianchi, ex-Diretor do MAM e do Itaú Cultural, são de fundamental importância para um projeto bem sucedido de museu, ou seja, um prédio com arquitetura emblemática, um acervo de renome e contundente e uma marca forte.
É relevante propor ainda que outros museus da cidade de São Paulo e do Brasil devam enxergar o MAC como um benchmark nesse segmento em termos de atratividade de visitantes e, fundamental e obrigatoriamente, fazer parte do roteiro turístico da cidade.
Já o MAC de Niterói pode ser visto como um exemplo clássico de arquitetura moderna. A obra tem também como idealizador Oscar Niemeyer, que destaca no local as grandezas imensuráveis – o mar, as montanhas do Rio, uma paisagem magnífica que devia preservar
Niemeyer comenta: “(…) E subi com o edifício, adotando a forma circular que, a meu ver, o espaço requeria (…)”. Além de se afastar horizontalmente ao máximo das construções urbanas, o prédio se eleva acima do nível da rua – do chão –, provocando a experiência de limite de distanciamento do mundo cotidiano, para se fixar simbolicamente à beira do precipício sobre as águas da baía de Guanabara.
O MAC de Niterói é um prédio que causa muita surpresa. Niemeyer intuitivamente liberou na forma arquitetônica a sua personalidade, cheia de curvas, espelhos d’água, uma rampa de entrada nada convencional e um formato do prédio em espiral que desafia curadores de arte e artísticas na montagem de exposições (AJZENBERG, 2011).
É com essa amplitude de 360º que o MAC foi ao longo desses 10 anos apresentado como uma obra de arte contemporânea, até mesmo com potencial poético e que vai além de suas paredes e dos objetos expostos. O MAC não é um museu de formas tradicionais ou neutras, ele é um lugar ativo tanto como obra de arte e inspiradora de cada experiência.

Por que não se vai a museus?

Por que não se vai a museus? Essa pergunta transita nas cabeças dos principais curadores de arte e diretores culturais do país. E uma série de hipóteses pode ser listada no sentido de compreender e elucidar esse problema.
Museu é cansativo e na primeira saída o visitante vai embora, ou então o visitante perde muito tempo tentando entender a obra e esquece-se de se entreter (RICO, 2003). Dentro dessa hipótese, vale destacar o que cidades como Bilbao na Espanha fizeram. Algumas agências de turismo, no momento de desenhar rotas de passeio para turistas estrangeiro, colocaram a visita ao Museu Guggenheim justamente nos momentos de descanso.
O fato é que hoje se evidencia uma crise no consumo de museus. Em uma rápida comparação com outras formas de consumo cultural, no teatro e no cinema, por exemplo, o espectador fica sentado e também absorve e consome cultura com um nível menor de esforço. Outro indício forte é que, por conta de avanços tecnológicos, outras formas de entretenimento, como a Internet e o uso de redes sociais, ganham uma envergadura bastante latente. Até mesmo a tradicional indústria do cinema, ainda assim, apresenta performances bastante satisfatórias financeira e midiaticamente falando.
O que falta fazer para que o consumo de arte, de cultura, de museus ganhe mais visibilidade? O que esse artigo se propõe fazer, ou seja, trazer essa discussão para o debate acadêmico já é um começo importante. Outra hipótese evidente é que arquitetos, curadores de exposições e profissionais de arte possuem conhecimentos de marketing relativamente incipientes (RICO, 2003). Aqui vale desdobrar outro questionamento: essa incumbência pertence a esses profissionais?
Por exemplo, o arquiteto que, durante a idealização do projeto, decide colocar uma escada na entrada do museu, tem conhecimento que estudos hoje mostram que cada degrau na frente de uma loja representa 5% a menos de visitação? Ou então: um diretor de um museu que contrata e treina funcionários de linha frente, sabe que 70% dos fatores que fazem clientes não comprarem novamente de uma empresa são relacionados a problemas de atendimento?
 
A Apple Store de Nova Iorque                                                                                        

Na cidade de Nova Iorque, entrando pela Quinta Avenida e indo em direção ao Central Park, os olhos do turista-consumidor se encontram com a Apple Store em uma ampla esquina e um dos metros quadrados mais valorizados da ilha de Manhattan. O que se evidencia são reações de encantamento do consumidor.
O projeto arquitetônico da faixada da Apple Store ironiza sutilmente a pirâmide de vidro na entrada do Museu do Louvre de Paris. Em Nova Iorque, não se encontra a belíssima e pós-moderna pirâmide de vidro,  mas sim um enorme cubo de vidro.
 Steve Jobs tem a visão que os consumidores quererem registrar para sempre seus momentos em Nova Iorque e é muito frequente que os consumidores turistas tirem fotos em frente à loja para colocarem em seus álbuns de viagens. Isso resulta claramente em uma futura divulgação gratuita da marca.
Dentro da loja, o layout é arrebatador. Uma loja espaçosa e bem iluminada. Móveis bem dispostos e fabricados em madeiras claras, em total harmonia com prateleiras de aço inox escovado, e uma série de ícones e cores que remetem à tecnologia. Todo o portfolio de produtos da família Apple ficam super expostos e totalmente convidativos ao toque, ao uso, e fundamentalmente, à experimentação. Centenas de iPods devidamente ligados com músicas e vídeos. Dezenas de MacBooks conectados à Internet Wireless ultra-veloz e gratuita. Inúmeros iPhones habilitados para se fazer chamadas locais e interurbanas para quaisquer locais dentro dos Estados Unidos, e de forma gratuita. Nota-se pessoas respondendo emails, ligando para clientes, realmente trabalhando. É a manifestação da experiência de marca no seu sentido mais pleno. Aqui novamente pode-se perceber que são ações de encantamento e que resultam em uma futura divulgação gratuita e exponencial da marca diante de amigos, parentes e conhecidos.
Os projetistas da Apple Store usaram do bom senso em não instalar cadeiras perto da bancadas pois certamente os clientes ficariam muitas horas na frente dos equipamentos o que consequentemente não favoreceria que outros consumidores degustassem também os produtos Apple.
Os flashes das máquinas fotográficas e celulares não se limitam ao exterior da loja. No interior da Apple Store, eles continuam com um ritmo ainda mais forte. Os consumidores querem registrar aquele momento, querem que seus álbuns de viagens sejam a prova daquele momento mágico do consumo.
No ambiente da loja percebe-se uma democratização do espaço. São os mais diversos personagens sociais que habitam o ambiente da loja, desde altos executivos de empresas ou turistas altamente entusiasmados com o consumo até pessoas solitárias e até mesmo mendigos transeuntes mixando músicas no aplicativo Garage Band. Todos são benvidos, ninguém é hostilizado. Quanto maior o tempo que se permanece dentro de um loja, maior é a propensão que o consumidor não saia de mãos vazias (ROSEN, 2008).
A postura passiva, porém amistosa, dos vendedores denota significativamente o posicionamento da Apple. Uma empresa jovem, intuitiva, pós-moderna e eclética. Pessoas jovens em sua maioria e com um nível altíssimo de conhecimento dos produtos ali expostos. A não-abordagem por parte do vendedor é uma característica bastante evidente. Entretanto, quaisquer sinais que o consumidor necessita de suporte e o onipresente vendedor surge ao lado. Os dizeres das camisetas usadas pelos vendedores confirmam uma mistura de informalidade, bom humor, humanização e logicamente o estímulo ao consumo. Nas costas das camisetas, lê-se frases aleatórias, como por exemplo: “I could talk hours about these stuffs” (eu poderia falar horas sobre essas coisas), ou então “I know people” (Eu conheço pessoas), ou até mesmo “No pain, all gain” (Sem dor, todos ganham). Um fenômeno que aconteceu na finada loja Virgin da Times Square anos atrás, acontece hoje na Apple Store. É o desejo de qualquer jovem profisssional novaiorquino trabalhar como vendedor da Apple Store, e certamente pouquíssimo jovens paulistanos possuem uma ambição semelhante em trabalhar no MAC, por exemplo.
O ato de compra assume, no contexto pós-moderno que vivemos hoje, um forte significado por se configurar como o principal mecanismo de empoderamento dos atores-consumidores, o que abre espaço para tornar-se cada vez mais uma manifestação cívica e até mesmo uma evidência de solidariedade social (PEREZ, 2004). O consumidor sente-se estimulado a participar do processo de compra. O desejo de caminhar pela capital do mundo ostentando um sacola da Apple Store carrega toda uma simbologia de sofisticação e de vanguarda da tecnologia.
O processo de compra de um iPod é uma experiência que dura cerca de 30 segundos. Desde a solicitação do produto a um vendedor, a operação de pagamento via cartão de crédito e a coleta do endereço de email do consumidor feito pelo próprio vendedor por meio de um aparelho Palm. Em uma fração de segundos, a compra é efetivada e o vendedor encerra o processo informando que a nota fiscal já foi enviada para o email do cliente. Ao abrir a caixa de mensagens, encontra-se um email recebido naquele momento (com um PDF anexado da nota fiscal) e solicitando de forma gentil que o consumidor em 5 minutos preencha um rápido questionário para compartilhar como foi sua recente experiência de compra na Apple Store para que a Apple torne sua próxima visita ainda melhor. Aqui vale trazer à tona novamente a seguinte questão: por que não se aplica conceitos como esse no segmento de museus?

Considerações finais                                                                  
Por meio da metodologia empregada na pesquisa foi possível traçarmos algumas conclusões sobre o marketing de experiência, mais precisamente com um paralelo entre o segmento de museus e o varejo novaiorquino. As novas formas de se conectar e cativar consumidores estão ancoradas no vigor, na tradição e no reconhecimento da marca envolvida. Não é toda marca que consegue traduzir seu posicionamento em experiências de consumo relevantes, o que lhe possibilita atingir tal posição de notoriedade, mas a marca Apple consegue atingir esse objetivo de forma singela. No segmento de museus no Brasil ainda não se atingiu essa maturidade para se encarar a experiência do visitante como um momento mágico de encantá-lo e de retê-lo. Boa parte dos diretores de museus e curadores de arte concentram-se em área de conhecimento mais específicas como museologia, história da arte, filosofia, etc.
O que é possível identificar no processo de marketing de experiência é a busca pelo momento único de consumo, por um processo de encantamento exclusivo, sofisticado e que vise diferenciações máximas. E no segmento de museus, fundamentalmente em exemplos brasileiros, percebe-se uma completa despreocupação nesse sentido. O design sofisticado da arquitetura dos prédios busca sim um impacto visual, mas a forma como é feita a divulgação de exposições, o treinamento de funcionários e a preocupação de zelo pela marca do museu evidencia uma lacuna nesse campo e consequentemente um convite para pesquisadores se concentrarem nesse tema.
Cabe ainda ressaltar que a opção metodológica escolhida, que agregou a pesquisa bibliográfica com um método de natureza qualitativo trouxe limitações às conclusões uma vez que a interpretação dos resultados tem razoável carga de subjetividade. Outra limitação diz respeito ao conceito de representatividade, uma vez que a análise teve em conta o contexto da marca Apple apenas na cidade de Nova Iorque, isso implica que os resultados não possam ser inferidos no marketing de experiência em caráter global. O fato é que essa imersão aconteceu por um período de sete dias, durante o mês de abril de 2009, o que implica uma limitação temporal também.



Referências

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AJZENBERG, Elza. Disciplina “A polêmica estética: modernidade vs pós-modernidade” no programa de mestrado em Artes Visuais da ECA-USP
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Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Comunicação, Consumo e Estética do 1º Encontro de GTs  - Comunicon, realizado nos dias 10 e 11 de outubro de 2011.
Marcos Hiller (hiller78@yahoo.com.br) é editor desse blog. É coordenador do MBA Branding da Trevisan Escola de Negócios. Aluno do Programa de Mestrado em Comunicação da ESPM. Possui MBA em Branding pela Univ.Anhembi Morumbi, pós-graduação em marketing de serviços pela FAAP-SP e graduação em Adm. Marketing pela ESPM-SP

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